Office in a Small City por Edward Hopper

O recurso da relva

“… como poderia alguém sequer imaginar que tivessem sonos perturbados aqueles que dormiam naquela terra tranquila.”
A suavidade da brisa e as pequenas flores sugerem um contraste tão sutil quanto drástico.

Emily Brontë faleceu aos 30 anos e nos deixou um único romance. Uma amostra de seu estilo é transcrita a seguir.
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Demorei-me entre elas [as pedras tumulares], sob aquele céu agradável, contemplando as mariposas que voejavam por entre as urzes1 e as campânulas, ouvindo a brisa suave que soprava pela relva, e pensando como poderia alguém sequer imaginar que tivessem sonos perturbados aqueles que dormiam naquela terra tranquila.

As palavras finais de O morro dos ventos uivantes destacam a ação da natureza sobrepondo-se, no tempo e no espaço, a todos os conflitos que uma vez envolveram personagens como Heathcliff e Catherine, com seus temperamentos apaixonados e intempestivos, agora mortos. Trata-se de um recurso contrastivo que a autora escolheu para lembrar o leitor de que a vida sempre se renova, se refaz e retorna a cada estação, por vezes fazendo esquecer sofrimentos que um dia pareceram (ou foram, de fato) muito importantes ou intensos. A suavidade da brisa e as pequenas flores, pontuando o local onde agora se encontram sepultados os atores desse drama arrebatador, sugerem um contraste tão sutil quanto drástico, levando o leitor a refletir sobre a transitoriedade de tudo o que pode, eventualmente, perturbá-lo durante um determinado período de tempo.

Também são admiráveis a habilidade e a concisão com que Carl Sandburg trata esse mesmo tema, utilizando técnicas de repetição entre cortes precisos, mantendo uma dosagem de sobriedade que frustra qualquer expectativa de grandiloquência entre possíveis discursos solenes.

(Os locais mencionados foram cenários de batalha nas guerras napoleônicas, na Guerra Civil Americana e na Primeira Guerra Mundial.)

A relva

Empilhem os corpos em Austerlitz e Waterloo,
solapem a terra e deixem-me trabalhar –
………………………………….eu sou a relva; eu cubro tudo.
 
E empilhem-nos bem alto em Gettysburg
e empilhem-nos bem alto em Ypres e Verdun.
Solapem a terra e deixem-me trabalhar.
 
 
Dois anos, dez anos, e os passageiros perguntam ao guia:
………………………………….Que lugar é este?
………………………………….Onde estamos agora?
Eu sou a relva.
Deixem-me trabalhar.

.Grass, tradução do autor.

1 As urzes (heath), também conhecidas em nossa língua por charnecas, são arbustos que inclusive deram nome à região: as charnecas.

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Anões na interpretação de textos

Imagem de entrada: Vincent van Gogh. Campo de flores amarelas. l889.

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