Office in a Small City por Edward Hopper

Assim são as festas

Vinha do estreito corredor dos quartos, estaria dormindo ou se trocando.
Parecia bela. Quem era? Uma sombra. Sua sugestão.

A amiga de Bruno os recebeu à porta. Sorriso de muitos dentes, vestido escuro, copo na mão.

“Pensei que não viessem mais.”

Bruno tomou-a pela cintura, beijou-a com atrevimento e desceu-lhe a mão à bunda, num gesto breve mas certeiro.

“E achou que eu fosse deixar você aqui, sozinha?”

Estavam atrasados, porque ele havia convencido Júlio da necessidade de algum suspense a fim de serem notados e aguardados com ansiedade. Nada disso aconteceu, e, ao cabo de uma hora e muitos, muitos minutos de atraso, a estratégia revelou-se não passar de uma ridícula perda de tempo.

Mulheres: na disposição de cada objeto, o toque de mãos femininas. Um abajur não era suficiente para iluminar a sala, por isso todos se sentiam bem. Assim são as festas. Bruno e Júlio entraram desastradamente, aos esbarrões, tão unidos que pareciam estar dançando juntos. Os outros convidados mostravam-se descontraídos, e isso os deixou ainda menos à vontade.

Espremidos no sofá, um sujeito de bigode esforçava-se para beijar uma moreninha que o repelia com negativas. Ele a pressionava, entendendo-se aqui em mais de um sentido, enfiando-lhe o nariz na bochecha, fungando em seu pescoço, orelha e adjacências. Ela, por sua vez, deixava transparecer um desejo ardente de estar longe dali, sozinha, enquanto o evitava com caretinhas enjoadas – era também curioso que ela não se levantasse e não sumisse, que permanecesse ali, de qualquer maneira. No centro da sala, alguém não se envergonhava de esbanjar termos técnicos, notadamente estrangeiros, e falava em informática, sistemas e programas – alto e bom tom, para que os outros também o ouvissem, infelizmente. Perto da janela, três outros pareciam entretidos com um canivete que um deles exibia, um canivete de muitas lâminas e muitos ganchos e muitas pontas que deveria servir para muitas, muitas coisas. Uns tipos mais alegres deixavam escapar risadas repentinas e ruidosas. (Júlio tremia só de pensar no que estariam dizendo.) Também perto, pois tudo ali era perto, um gordinho de voz melada insistia com um amigo: “Eu te pergunto. É, eu te pergunto. Eu estou ou não estou certo? Hein? Não, falando sério. Eu te pergunto, eu não estou… Estou ou não estou? É, eu te pergunto…”. O outro o suportava com paciência, garantindo-lhe que não havia dúvidas quanto àquilo. Mas era inútil, pois ele continuava babando: “Agora, eu te pergunto… Estou ou não estou? Hein?”. Uma garota entusiasmada também usava sua amiga. A outra, de cabelos presos, queixo ligeiramente prognata, rosto de linhas encantadoras, possivelmente mais amadurecida e sem dúvida mais atraente que sua exaltada interlocutora, corria os olhos ao redor enquanto a escutava, tentando detectar alguém que a estivesse observando. Júlio estava. Ela não soube esconder seu contentamento. Mas parou de mover os olhos, fingindo-se interessada no que a outra lhe dizia. A amiga dessa charmosa dissimulada, falante de fôlego notável, narrava o capítulo da telenovela das oito (ou das nove, ou das oito e meia, ele nunca sabia ao certo). Parte por parte. O capítulo todo.

“Santo Deus…”, Júlio pensou ter deixado escapar.

Mas ele tinha o hábito secreto de nomear pessoas que não conhecia, de pronto, para seu uso próprio, a partir de uma primeira impressão, então decidiu que a garota bonita de cabelos presos se chamaria Glória. Só precisava disso, de um nome improvisado, para dirigir-se a ela num instante, em pensamento: “Que situação, hein, Glória? Pobres de nós, com essas telenovelas e essas nossas preocupações com gente que não existe e com esses nossos nomes provisórios…” – porque todos os nomes são provisórios, pensava Júlio em seguida, tentando libertar-se de tais conclusões óbvias. Ele não se atraía por festas, e lamentava deixar-se arrastar a lugares desses, sabendo que só iria encontrar mais gente. E quantas vezes, por mais que tentasse evitar, não se surpreendera em meio a seu velado desgosto com perguntinhas do tipo: “Quem são essas pessoas para mim? Quem sou eu para elas?”. Ora, o que poderia esperar de um lugar onde ainda não conhecia ninguém? Então, alguém irrompeu numa gargalhada, dessas que dizem contagiante. Ele ficou mais triste.

Enfim, assim são as festas. Uns aproximando-se de outros, fragilmente se conhecendo, cada um no fundo com esperanças de não acabar só, após todos os encontros. Sorriem ou mostram-se sérios. Sutilezas. Não acabar só. Mas era também possível ser sempre sozinho mesmo em meio a outros, o que muitos não percebiam, pois trocavam-se amostras de ego, iscas de vaidade atiradas ou mordidas, frestas entre as máscaras translúcidas de suas intenções e verdadeiros desejos, enquanto consolidavam, gesto após gesto, a repetida comédia dos enganos e das boas maneiras, do respeito mútuo e da adequada descontração entre os círculos de pessoas e outras que, por sua vez, as conheciam, cada uma ligando os círculos a outros círculos sucessivamente, resultado de superfície numa água em que se atiram pedrinhas e inúmeros pequenos frutos, desde sempre suspeitando que no fundo nada havia que ser encontrado, sem que ainda se tenha cultivado ou mesmo descoberto uma maneira menos subjetiva e hipócrita de não acabar só.

Apresentados à outra anfitriã por meio da primeira. Resultado de superfície. Círculos se abrindo na água. A primeira, Lea, a amiguinha de Bruno. A outra, Neca: voz nasalada e aparentemente nenhum miolo. Júlio criticou-se a tempo, ainda era cedo, como podia julgar alguém por uma primeira impressão?

“Prazer. Neca. Prazer. Neca. Neca! Prazer.”

Lea abraçou-se a Bruno, sorria para ela.

“Aí, Neca. Não disse que ia trazer uns caras simpáticos pra conhecer você?”

Os rapazes ficaram muito contentes com isso, mas a pobrezinha franziu as sobrancelhas, a um passo de perguntar onde é que estavam os tais sujeitos simpáticos, e felizmente atinou com a situação a tempo, antes mesmo que Lea lhe dirigisse um olhar de ódio.

“Prazer.”

A terceira garota da casa era uma sombra. Cruzou o ângulo da sala em direção à cozinha, mostrou-se por um momento na faixa de claridade, por fim perdendo contorno na confusão de outras sombras. Resultado de superfície. Júlio a viu por acaso, do ângulo oposto. Vinha do estreito corredor dos quartos, estaria dormindo ou se trocando. Parecia bela. Quem era? Uma sombra. Sua sugestão. Sim, uma sombra. E sua sugestão – porque assim são as festas.

Janela aberta da noite, edifícios escuros e a infinidade de pontinhos faiscantes que são as luzes metropolitanas, as repetidas metáforas, as luzes pequenas dos homens.

Pequenas, eu disse? Luzes dos homens… Bem, bem. Vamos evitar essas recaídas, já não temos mais gosto por elogios baratos, não é verdade?

A sala, tudo ali não mais que um pontinho também, não tão claro, por causa da luz anêmica que fazia dos convidados vultos taciturnos e efêmeros.

Bem, bem. Mas assim são as festas. Algo mais sobre isso? Só que existia gente em todos os pontos. Pontinhos.

Reunindo-se às vezes, as festas, e um dia… Era preciso esquecer. Por que olhar assim pela janela? Todos sabiam da noite. Dos nomes provisórios. Dos círculos na água. A festa prosseguia. O álcool já se prestava a produzir seus efeitos mágicos.

A desconhecida voltou à sala, acenou a uns amigos – o que fazia ver que não estava na festa até então. Especialmente abraçou outra garota. Perguntou por ela e por alguém mais, antes de iniciar o ritual de trocar beijos contados à altura da orelha ou estalados em falso, no ar, com uns rapazes que aparentemente a conheciam. Um deles, desviando o rosto, beijou-a na boca, ela não se importou e sorriu. Lea pediu-lhe que viesse conhecer Bruno e o amigo. Foi então que Júlio pôde vê-la melhor. Algo como um arrepio involuntário prejudicou-lhe a naturalidade: há tempos não se impressionava com alguém. Antes mesmo que ela o visse, Júlio a havia assimilado num único relance, da cabeça aos pés, e era como se pudesse perceber seus próprios olhos faiscando em movimentos muito rápidos. Uma peça vermelha, sem mangas, alças finas, cobria-lhe os seios, abrindo-se entre eles por um decote lamentavelmente discreto. Saia branca, não muito justa, mas reveladora de suas formas. Parecia à vontade sobre um par de saltos desafiadores.

“Minha amiga Vanda.”

Os últimos dias de agosto – Guia de leitura

47. O nome dela era Vanda – sequência

45. Tudo porque eram as páginas de um homem – anterior

Imagem: Fiona Rae. Amarelo com círculos. 1963.

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