Office in a Small City por Edward Hopper

Treze, uma abelha assassina?

“O que então? O que eu tenho a perder? Ela é algum tipo de maníaca, alguma abelha melífica, vai me assassinar depois de nos acasalarmos?”
Bruno percebeu que ele já declinava a seus exemplos exagerados e obsessivos, próprios das situações em que não pretendia voltar atrás.

“Você vai o quê?”, Bruno e seu cigarro pela metade, pouco antes de voltá-lo à boca, tão incrédulo quanto surpreso, como sempre se fica diante de uma verdade e de uma decisão.

“O que você ouviu. Me encontrar com ela”, Júlio com naturalidade enquanto se deslocava do quarto ao banheiro, só um pouco envergonhado de haver-se confessado a ele quando poderia ter-lhe dito outra coisa qualquer.

“Com ela? Com quem eu estou pensando?”

“Se é que você está pensando na Treze…”

Bruno esperou que ele passasse de volta. Liberou a fumaça, tragada há tanto tempo que parecia haver-se perdido dentro de seu organismo, quase se esquecendo de tornar a subir para desfazer-se no ar.

“Treze?”

Júlio não lhe deu atenção, voltou ao quarto. Voltou ao banheiro. Voltou ao quarto.

“Treze?”, Bruno engrossando um pouco a voz a fim de ser ouvido.

“Não é um nome tão bonito como os daquelas que nós conhecemos da outra vez, no Oásis, mas não é isso que…”

“Aquelas quem?”

“Ahn… A Melissa, a Daliane… Qual outra? Júnia… E aquela de cabelo curtinho, lembra? O nome dela até me recordava o de uma…”

Bruno moveu a cabeça de um lado para outro, além de armar uma desgostosa careta de piedade.

“E você acreditou que esses fossem mesmo os nomes delas! Que elas tivessem uns nomes bonitinhos desses…”

“Claro que não”, Júlio mentindo. “Claro que eu sabia, como não?”

“Uma delas disse que se chamava Ruidênia e que isso era o nome de uma flor selvagem. Rapaz, o que elas inventam!”

“Claro, eu sabia que não. Pois essa que escolheu chamar-se Treze é com quem eu vou me encontrar hoje, ora, já disse isso. Onde, onde? Acho que perdi meu relógio.”

“Treze é mesmo o nome dela. Dessa vez sim, de verdade. E olha, você não sabe no que está se metendo.”

“Ora, como assim? Que é isso, Bruno velho?”

“Eu tô dizendo, Júlio. Tá me ouvindo?”

“Bruno velho dando conselhos, este é o mundo. Que que há, ela tem aids?”

“Aids? Que isso?! Como é que eu vou saber? Mas não é isso, olha, eu não ia dizer nada se não soubesse que… que isso de você se envolver com ela pode dar numa tremenda encrenca, uma encrenca daquelas, ou pelo menos…”

“Pode dizer. Você tem um caso com ela.”

“Com a Treze? Não, não”, rindo por um instante, mas ainda preocupado, o que não era seu normal. “Com a Treze, não. De jeito nenhum. Nem me atreveria. Júlio velho, olha, essa é a última garota do mundo pra você, escuta só. Se eu fosse você, esquecia isso de uma vez. Ela nem vai estar lá, e você vai acabar bancando o grande sentimental solitário, sabe como é.”

“Não tem importância. Já estou sozinho mesmo.”

“Olha, vai por mim, me escuta só dessa vez. Essa menina não é flor que se cheire, você vai acabar se envolvendo com o que não sabe. Nem vou estar sendo seu amigo se eu não puder… Escuta, agora… Agora me diz: o que você acha que ela viu em você?”

“Em mim? Ora, em mim?! Puxa, não faço ideia. Pra dizer a verdade, eu nem tinha pensado nisso. Vou me lembrar de perguntar ainda hoje. Uau! Parece que a notícia do meu namoro já chegou à Bahia.”

“Namoro? Não brinca assim comigo… Não, nada disso, me desculpe, não é que eu queira que você…”

“Então, agora, fala de uma vez: por que é que eu não devo sair com ela? Ciúmes?”

“Da Treze? Só me faltava.”

“Vai me desafiar pra um duelo, eu sei. Quer escolher as armas? O Coelho vai gostar de ver.”

“Eu estou falando sério, Júlio. Juro que não estou brincando. E não estou disputando ninguém com você.”

“O que então? O que eu tenho a perder? Ela é algum tipo de maníaca, alguma abelha melífica, vai me assassinar depois de nos acasalarmos?”

Bruno percebeu que ele já declinava a seus exemplos exagerados e obsessivos, próprios das situações em que não iria ouvir nada de ninguém e claramente não pretendia voltar atrás.

“Tudo bem, Júlio velho. Bobagem minha. Vá em frente. Você é adulto, sabe o que quer. Boa sorte com ela”, Bruno deixando a parede em que se encostava e deslocando-se ao acaso.

Júlio abriu a porta da frente, moveu os ombros ainda uma vez, como a fazer assentar melhor a camisa. Parecia muito esperançoso.

“Não me importo com o que possa acontecer. Mas depois você me conta por que eu não deveria ter ido.”

Bruno fingiu que não lhe estivesse observando os trejeitos e a expressão do rosto quando ele se voltou.

“Depois você me conta também”, Bruno agora sozinho na sala, desejando, por culpa de um curioso sentimento como há tempos não experimentava, que ela fosse ao menos carinhosa com ele.

Os últimos dias de agosto

24. Treze pode continuar – sequência

22. Ana, Dulce, Treze, Cátia… – anterior

Guia de leitura

Imagem: William-Adolphe Bouguereau. Ninfas e sátiros (detalhe). 1873.

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