Office in a Small City por Edward Hopper

Truque bem-educado

Eu não queria admitir, mas sua proximidade me incomodava, acelerava-me a pulsação.
Por motivos óbvios, digamos.

No dia seguinte, ainda com Verena na cabeça, tentei escrever um poema. Até consegui terminá-lo. Mas ficou espichado, redundante, uma chatice. Não dava vontade de ler mais de uma vez, como ocorre com os bons poemas. Eu me propunha reler tudo, desde o início e inúmeras vezes, verso após verso, com agonizante esforço, sonhando aperfeiçoar uma palavra aqui, outra ali, como se isso bastasse. Passei toda a manhã, mais o início da tarde, redigindo esse irremediável, incorrigível exercício de tédio. Poetas pensam que têm todo o tempo do mundo, é um de seus males. Ora, que tenho a perder? Se não estivesse aqui, estaria com meus companheiros em outra daquelas caminhadas enfadonhas, eles que, a esta hora, devem estar nos confins do judas, sem contar que talvez encontrem o maníaco do tempo, aquele tal que acredita em bruxos. Uma brisa entrou pela barraca, aliviando-me a vista cansada, trazendo-me um vago sinal de que eu poderia não estar escrevendo aquilo, de que eu poderia não estar me esforçando inutilmente por nada daquilo que a mim, em primeiro lugar, aborrecia, que dirá a possíveis leitores. Olhei para fora, deixando que as invisíveis correntes de ar me soprassem o rosto, e por acaso vi que Verena chegava sozinha.

“De castigo?”

Aprumei-me como pude, só então me dando conta de que, por muito tempo, estivera curvado demais, tanto que minhas costas quase estalaram quando me endireitei – mas quero crer, de novo para o bem de meu ego, que não se fizeram ouvir quaisquer ruídos indesejáveis.

“Eles foram dar umas voltas. Pelas redondezas.”

Verena aproximou-se, viu o papel em minha mão.

“Outro? Posso ler?”

Senti que meu tufinho de cabelos estava todo de pé, arrepiado e feio, e tive vontade de sair correndo dali.

“Não”, disse eu escondendo o desconcertante rascunho. “Não está pronto ainda. E… E os seus amigos?”

“Ah… Não sei onde se enfiaram.”

Eu não queria admitir, mas sua proximidade me incomodava, acelerava-me a pulsação. Por motivos óbvios, digamos. Cuidava para que não me escapasse alguma coisa idiota, pois ela se mostrava uma pessoa perspicaz e observadora. Sua naturalidade acabou por me descontrair mais uma vez, e nossa conversa fluiu pelo resto da tarde, como se há muito tivéssemos algo a dizer um ao outro, também para evitar reconhecer-se que era eu quem mais sofria a carência de dizer-lhe algo do que o contrário.

“O que foi? Alguma coisa com meu bracelete?”

“Não, nada. Por quê?”

“Você ficou olhando… Parece ter visto alguma coisa interessante nele.”

“Ora, imagine…”

Entre outras, contou-me Verena que Romão era homossexual, por isso havia se libertado do cidadão metódico que poderia ser, dada sua austera formação. Os homossexuais, como os verdadeiros idealistas, os deficientes físicos, os desajustados e os gênios, os que por acaso vivem alguma experiência fora da rotina da maioria humana, enfim, todos os que compõem a fração mal compreendida pela sociedade padronizada, adquirem o dom de ver além do cotidiano insosso que rege o comportamento dessa mesma maioria. Por isso, o governo e as igrejas querem-nos a todos monogâmicos, virtuosos e obedientes. Para que não enxerguemos. Para que não conheçamos senão um lado da vida, o mais fácil e mais pobre. Falávamos sobre isso, mas infelizmente eu voltava com frequência aos batidos assuntos do escritório, que eram só o que me ocorria, que eram só a minha vida. Quando desandei a tagarelar sobre os tipos que me cercavam, sobre os dias consecutivos e idênticos, sobre a rotina de meu trabalho, sobre os patrões e a mentalidade dos… – ela interrompeu todo o meu fluente discurso, beijando-me a boca.

Enrubesci de repente. Tentei conservar a naturalidade, confuso. Verena sorriu com leveza, acalmando-me.

“Não fica assim, que foi? É só um truque pra quando alguém está perdido.”

“Assim como? Eu… Imagine. Esse truque, você disse…”

“Pra trazer de volta, sabe? Corrigir o desvio. É a maneira mais gostosa e bem-educada de deter alguém.”

“Ahn… Sei. Claro.”

“Com mulheres, também funciona.”

Eu olhava sua boca bonita, observando o que já havia notado antes: que seus lábios se mantinham por muito tempo relaxados, entreabertos, como se fossem beijar alguém a qualquer momento. Os meus normalmente eram rígidos, retraídos. Senti vontade de imitá-la, imitar sua maneira de soltar o lábio inferior, queria ser como ela. Só então constatei, surpreso, que nossas bocas eram muito parecidas.

42. Mais uns dias, por que não? – sequência

40. Uau! – anterior

Guia de leitura | Sobre o livro

Imagem: Lee Krasner. Branco frio. 1959.

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