Office in a Small City por Edward Hopper

De intimidades e ousadias

Já não tinha forças para dizer o que fosse, a palavra mágica que a tudo abrangesse.
Olhos fechados, por um momento ele sentiu que sonhava com os livros.

Júlio e Vanda acreditam, mas não ousam confessar, nem um ao outro nem a qualquer pessoa, que vivem uma grande paixão, assim evitando exposições inúteis, quando tudo não passa de confusão e carência, ele por motivos que ela mal conhece, ela por motivos que ele não conhece de jeito nenhum. Todas as roupas, não só as intencionalmente sensuais, revelavam-se excitantes quando chegada a hora de deformá-las e despi-las, mansa ou apressadamente. Vanda tinha uma expressão de olhos e meio sorriso própria a esses momentos. Júlio a achava engraçada por isso, em segredo. Sempre que possível, ele procurava despir-lhe o sutiã, a calcinha e os sapatos, impedindo-a, com gestos dissimulados, de fazê-lo. Tudo lhes parecia familiar: a maneira como ela primeiro lhe acariciava o pênis e o contemplava por todos os lados antes de levá-lo à boca (detendo-se sempre a tempo, a fim de não esgotá-lo tão cedo, entre os dentes), como depois sentia as mãos dele apertando-lhe porções do corpo ou percorrendo-lhe as curvas entre um relevo e outro enquanto pedia que lhe falasse, não necessariamente ao ouvido, que deflagrasse de uma vez a tralha eufemística toda, tanto que qualquer palavra acabasse também eufemística de tão gasta, uma espécie de orgasmo vocabular que, tendo-se exaurido e alcançado o absoluto, perdesse, na mesma proporção, o interesse. Júlio apalpava-lhe um seio como preparando-o a ser experimentado por sua língua, por seus lábios e dentes. Chamá-la minha putinha já correspondia a tratá-la por minha querida, o que mais a excitava. Vanda estirada de costas, as pernas abertas abrindo-lhe também os vales róseos de sua intimidade, a flor de lábios sensíveis que movia o mundo, e dizendo a Júlio que tomasse para si sua boceta, que ele sabia muito bem o que fazer com ela. Júlio avaliava com minúcia a vagina à sua frente, acariciando-a com dois ou três dedos antes de deitar-lhe a língua, pouco depois de informar tolamente que achava lindo ver aquela bocetinha aberta da maneira como se encontrava, como só ela, Vanda, sabia fazer, como se fosse possível restringir tal capacidade a uma única mulher, além de tornar a classificá-la de minha putinha e minha linda e minha gostosa, no momento pouco diferindo uma coisa da outra em sua mente como também na dela, pois Vanda já se perdia em inebriantes sensações que a faziam confessar que o amava quando ele a lambia daquele jeito, pouco antes de ele ficar babando em sua chana, o que ela adorava, adorava. Júlio olhou para baixo, acompanhando um fio de saliva que ainda ligava seus lábios aos lábios secretos de Vanda. Erguendo-se um pouco mais, porém sem desviar-se da altura de seus quadris, num movimento apenas iniciado por ele e completado por ela, fez que se virasse na cama, com isso expondo-lhe as nádegas bem proporcionadas, entre elas outro vale por umedecer, outra ordem de desejos mal elaborados que os desafiava a ambos, secretamente, a ele especialmente curioso da reação que ela logo faria manifestar entre negativas e aceitações, quem sabe, enquanto com um dedo fazia passear novos fios de saliva pela região infértil. No momento, lembrou-se de que tantos falavam em abolir preconceitos, e muitas garotas como Vanda concordavam com a televisão acerca de viver experiências fora dos padrões tolerados pelo tédio coletivo, e nos livros repetiam-se tais e tais ideias, mas sempre evitando-se expor as personagens acima da sugestão. Por isso, enquanto a conduzia e antes que ela dissesse algo, como já se dispunha a dizer, ele a interrompeu levando o mesmo indicador à frente da boca, um gesto manso que significava: “Silêncio. Vamos ver se é mesmo verdade.”.

“Não… Não quero assim”, Vanda sem se mover, até então como se não suspeitasse de que se tratava.

Fingindo-se subitamente preguiçosa, deixou-se estar de bruços, como à espera do que fazer a seguir. Ele se demorou no passeio de mãos, experimentando toda a feliz consistência que nela parecia concentrar-se entre a cintura e os joelhos, então solicitou-lhe, com um gesto rápido e um monossílabo, que se erguesse um pouco mais, ao que ela atendeu prontamente. Enfiou-lhe por baixo dos quadris uma almofada, com isso tendo-a ainda mais exposta à sua frente. Com um ligeiro mas delicado gesto, deslizou um dedo de ida e volta entre as nádegas dela, lubrificando-a nessa região com o próprio líquido que mal se percebia escorrer de sua excitação, em seguida passando a penetrá-la muito lentamente por essa perspectiva, enquanto murmurava com gosto: “Olha só, que putinha…”.

“Vamos parar, não quero assim.”

“Relaxa. Um pouco mais…”

“Não lhe dei essa liberdade…”

“Diga que sente meu pau em sua bunda…”

Devagar…”

“… e me avise quando ele entrar todo.”

Ela repetia as frases, alterando os verbos e os possessivos com breves interrupções, um pouco ofegante por causa do peso que o corpo dele lhe imprimia às costas, também para que as coisas parecessem mais dramáticas. Após um último movimento, já com grande facilidade de assimilação, ela o informou (ofegante, claro) que seu pênis acabava de penetrá-la inteiramente pelo ânus. Era curioso que ela aceitasse o jogo de repetir suas palavras sem ao menos chamá-lo de bobão, como às vezes fazia. Talvez contribuísse para que aquilo tudo terminasse logo. Ele mordeu de leve a orelha dela, menos de leve seu ombro. Sussurrou mais um pequeno ditado. Já não tinha forças para dizer o que fosse, a palavra mágica que a tudo abrangesse. Olhos fechados, por um momento ele sentiu que sonhava com os livros.

“Você me deve uma”, ela afetuosamente.

“Não nos devemos nada… minha linda.”

Os últimos dias de agosto

59. De livros e desejos adormecidos – sequência

57. Vanda vence a água e as nuvens – anterior

Guia de leitura

Imagem: ZInaida Serebriakova. Nu reclinado. c. 1930.

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