Office in a Small City por Edward Hopper

Competências, habilidades, trabalho em grupo

Sentada no carpete da sala, pernas cruzadas. Ela tem um caderno no colo, bate de leve com a caneta no joelho. Coça a cabeça com as duas mãos, revolvendo os cabelos atrás das orelhas.
Franze a testa. Chupa a caneta. Ele se faz de preocupado.

“Boa noite, capital! A máxima hoje foi de 15 graus, e a temperatura continua caindo. Vamos de música! Esta é a estação mais alegre da cidade!”

Duas maneiras distintas de sorrir: uma, quando encontra conhecidos ou é apresentada a alguém; outra, espontânea, quando apanhada de surpresa. Nesse caso, ergue um pouco o queixo, como se lançasse o sorriso ao ar. Trinta e cinco é o número que ela calça – aliás, um de seus prazeres: comprar sapatos, não antes de experimentá-los, aos montes, nas lojas. A saia vermelha, sua predileta. Como a maioria das pessoas, não sabe a diferença entre Schubert e o Schubert que ouve nas cerimônias de casamento. Acompanha os seriados da TV e a novela das oito, naturalmente. Coleciona cursos.

“Um curso de congelados que eu fiz uma vez… Aprendi isso num curso de magia para iniciantes… Sei, porque fiz um curso de mergulho com um professor hó-timo!”

“Você fez curso de dobrar mangas também?”

“Não, mas tenho certeza que não sou a primeira a te dizer isso. O outro braço. Puxa, nem sabe arregaçar as mangas direito!”

“Tem coisas que eu não aprendo nunca.”

“Do jeito que se arruma, aposto que nenhuma mulher olha pra você na rua. Olha?”

“Algumas sim. Que diferença faz?”

“E essa barba? Tem até um corte aqui…”

“Também não é a primeira que me diz isso.”

Acusa Júlio de estar tenso e o põe para dormir.

“Fiz um curso de controle mental que nunca falha, quer ver? Fecha os olhos. Solta essa perna. O queixo, vai. Agora, concentre-se no que eu vou dizer. Tudo bem? Um-hum. Você está leve, muito leve. Muito leve mesmo. Mais leve do que um… Do que uma… Uma… Muito leve mesmo.”

“Uma pluma! Uma nuvem! Um átomo de hélio!”

“Bobão! Você não pode falar. Só escuta e se concentra”, ela com firmeza, do contrário ele continuaria desfilando mais coisas leves, com grande felicidade. “Fecha os olhos. Esquece o mundo, esquece tudo…”

“Agora eu estou gostando.”

“Seus olhos estão pesados. A tensão está indo embora, saindo pelos cabelos. Cada vez mais leve…”

Voz agradável de Vanda. Frases cadenciadas, mão carinhosa. Júlio e seu sono cansado. Despertou em seguida, uma ligeira convulsão, com isso assustando-a também.

“Ai!”

“Tive um pesadelo.”

Pega a ler a mão dele.

“Romântico, idealista… Hum…”

“Que mais?”

“Deixa eu ver… Sensível.”

“Tem certeza?”

“Claro. Está escrito aqui. Nas linhas.”

Quer que a ajude no trabalho de escola.

“Nosso grupo precisa de uns temas bem atuais pra desenvolver uma pesquisa. Vê se me ajuda a encontrar um, a gente precisa de nota este mês. Vai.”

Sentada no carpete da sala, pernas cruzadas. Ela tem um caderno no colo, bate de leve com a caneta no joelho. Coça a cabeça com as duas mãos, revolvendo os cabelos atrás das orelhas. Franze a testa. Chupa a caneta. Ele se faz de preocupado.

“Júlio, isso é sério! Preciso que você me ajude a pensar. Um tema como… Alguma coisa sobre… Não me olha assim. Já me disseram que você é um cara cheio de ideias, agora eu quero ver. E não adianta você…”

“A morte.”

O quê?!

“A morte.”

“…”

“Morte, eu disse. Ouviu?”

“Claro que ouvi! Não precisa gritar!”

“Não estou gritando. Você é que…”

“Tudo bem, tudo bem. Vamos mudar de assunto.”

“E o tema?”

“Que tema?”

“A morte, cacete.”

“Que que tem?”

“Um bom tema, não é? Sempre atual.”

“Mas que merda!”

 Os últimos dias de agosto

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59. De livros e desejos adormecidos – anterior

Guia de leitura

Imagem: Lee Krasner. Sem título. 1953.

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