Office in a Small City por Edward Hopper

Outra das mil noites

Receava que qualquer alteração pudesse interferir nessa surda harmonia matinal, quebrando sutilmente o feitiço.
Que feitiço? O que era aquilo? Cedo demais para saber.

Henry Asencio. Epifania.

“Assim… Mais forte…”, ela agora menos constrangida, menos hesitante, falando em outro tom, outra fluência.

Que vida, não? Ele imaginava que alguém pudesse deliciar-se com sexo a noite toda. Ou o dia todo. Enfim, por quanto tempo quisesse. Não sabia que em algum momento ocorria algo tão incontrolável como o orgasmo. Não conhecia a palavra, muito menos seu significado. Comentou com um colega de sua idade. “Orgasmo, sei, sei. Sei o que é. Mas, olha, mesmo que não tivesse orgasmo, é porque cansa.” Ah, finalmente a resposta: cansa. Os meninos sempre sabem todas essas coisas (pelo menos, nunca dizem que não sabem), mas nem sempre conseguem explicá-las muito bem. Sexo não parecia cansativo. Mas era porque, na TV, os casais só se beijavam suavemente, um em cima do outro, e aquilo não parecia demandar muito esforço físico.

“Assim… Não para, vem, isso…”

Ele se ergue sobre os cotovelos, depois sobre as mãos. Com um dos braços servindo-lhe de coluna, a outra mão, solta, segura com carinho, e sem saber por quê, o queixo e a base de todo o queixo de Liana, alisa-lhe os cabelos sobre uma orelha, ainda lhe pega um seio, de novo o sente e o solta, mas nada parece durar muito, que seus próprios desejos exigem dele muitas coisas diferentes a um só tempo, prazeres táteis de toda sorte, quer tocá-la por inteiro, e é claro que não consegue, quer aproveitar tudo enquanto a penetra entre golpes e investidas nem sempre sincronizadas com o ritmo de sua respiração, enquanto assiste, tornando a apoiar-se sobre os próprios braços, ao seu ato de possuí-la, enquanto a confirma presa, lá embaixo, ao fim de seu próprio ventre, entre as virilhas, confuso com tantas opções de apreciá-la e de senti-la – e enquanto sua parceira parece contentar-se apenas com essa movimentação toda dentro de si, deixando-se de costas, sendo invadida, enquanto segura esse homem pelos ombros e enquanto percorre com as mãos a lateral de seu corpo, enquanto suas pernas abertas se dobram e se recolhem, por vezes lançando seus pés ao alto e logo os voltando à cama, uma posição tão adequada quanto outra, tão convidativa quanto outra, afinal por que escolher?

“Assim… Que linda. Você é minha… Você é minha?”

“Sou… Sou sua… Vem, forte assim… Isso…”

Incontrolável. Não, nenhum dos dois consegue parar agora, são os últimos instantes de tudo o que…

“Aaaah… Você me mata… Me mata… Acabou comigo.”

“Você também acabou comigo… Minha linda…”

Aaaah… Matou, não matou, acabou, não acabou, linda, sou sua, essas palavras todas não valem nada – porque são sempre as mesmas em situações semelhantes. Se não pretendêssemos dizê-las, mesmo assim as diríamos. Elas parecem ter vida própria. Pertencem a uma linhagem especial que já vem impregnada em fases específicas dos encontros de corpos – fora disso, soam patéticas, até mesmo ofensivas. E descrevem verdadeiramente o que os instintos estão perseguindo todo o tempo, desde que as primeiras bactérias sentiram cócegas de se multiplicar pela extensão dos oceanos da Terra. Conquista. Domínio. Posse. Sobrevivência. Permanência. Ah, sim: o amor.

Uns minutos deitados lado a lado, depois uns minutos tendo-a parcialmente sobre ele, depois uns minutos tendo-o parcialmente sobre ela, depois uns minutos de carinho e de palavras tolas, depois uns minutos de banho, ele agora a quer de bruços.

“Assim?”

“Assim.”

Desta vez precisa conduzi-la – onde estava aquele mecanismo de torção automática, movido a um toque? Sente uma intensa ereção enquanto aprecia e massageia as formas felizes da bundinha dela. Não está nunca satisfeito? De onde vem um desejo assim? Ela, por sua vez, adivinha-lhe os pensamentos, por conta dos dissimulados carinhos em seu traseiro.

“Assim?”

“Assim…”

“Não. Assim não. Vem cá…”

Liana, habilidosamente, erguendo-se um pouco, o leva a instalar-se outra vez em seu centro mais lubrificado (antes que ele a invadisse sem defesa entre as nádegas), proporcionando-lhe o mesmo prazer de antes, prendendo-o gostosamente entre as pernas, dando-lhe agora toda a sua excitante nudez pelas costas, desde os ombros mal cobertos por cabelos até a lateral dos quadris, acima das coxas. Quase tão naturalmente quanto a espontânea repetição de palavras inócuas, os dois vão se erguendo por iniciativa dela, juntos, ao mesmo tempo.

“Deixa eu ver o seu rostinho…”, ele pede, e assim mesmo não dá muita atenção a isso.

Aí está ela, de quatro; ele de joelhos, apertando-lhe a cintura ou os quadris com as mãos. De alguma forma, rendidos um ao outro. Mas enquanto Liana pouco se movimenta e se deixa conduzir, ele agora faz dela uma apetitosa boneca do seu tamanho, uma deliciosa máquina de sexo, onde pode enfiar-se por inteiro pelo tempo que bem entender. E é isso mesmo, não adianta fingir. Ele vive demoradamente esse ato de domínio, enquanto se delicia em vê-la conquistada e possuída, em ver-se a si mesmo gratificado e voluntarioso, senhor da situação, pois ela apenas geme docemente, confirmando sua boa disposição em ser submetida, como se dissesse: “Fique à vontade, está tudo bem, não tenho pressa, querido.”. Seria horrível se ela, de fato, lhe dissesse isso. É claro. Só muito tempo depois é que um homem pode imaginar que sua parceira esteja pensando uma coisa dessas. De preferência em outro dia, em outra estação do ano. Meses depois. Anos depois. Ou nunca.

Talvez não se consiga nunca ser sublime numa hora dessas, em que o desejo apenas animal (natural fica melhor, não?) mostra ser a melhor coisa do mundo. E mesmo sabendo-se que tais desejos não podem ser realizados de uma vez para sempre, pois ressurgem os mesmos de antes, cíclicos como a fome, exigindo sua própria repetição, mesmo satisfazendo-os como já se fez antes, a repetição desses procedimentos, como também se dizia, é a repetição, novamente, da melhor coisa do mundo.

A força de Danilo se torna outra quando prende essa mulher pelos quadris e a puxa para si, pelo traseiro, para junto de suas virilhas, a bundinha dela servindo-se perfeitamente a preenchê-lo na breve extensão de uma região sensível e tensa, amortecendo seus golpes, gradativamente mais rápidos, como se tivesse sido especialmente moldada para isso. Onde foi que a natureza errou, afinal?

Menino, quando ia à escola, passava pela casa de sua colega, Rita, vizinha de mesma rua. Bem cedo, toda manhã. E seguiam juntos a pé, conversando sobre coisas das quais ele não consegue sequer recordar um exemplo, arrancado à memória antiga. Mas sim que era seu segundo período de estudos, devia ter entre oito e nove anos, por lógica, uma idade que, para ele (ela era mais velha, tinha dez, e também era mais alta), não passava de um mundo de névoas e ligeiras imagens traumáticas, como a de um drástico acidente, uma agressão violenta entre dois meninos na primeira esquina do colégio e alguma coisa que o pai lhe dissera. Todos os dias ele a chamava: “Ri-ta!”. Ela respondia: “Já vai!”, gritando docemente. Sim, isso é uma lembrança exata: ela gritava docemente ao responder-lhe. Seu chamado, tantas vezes repetido no mesmo tom, sem criatividade alguma, mesmo após tantos dias e meses, era sempre mais ou menos planejado. Sempre uma repetição – e sempre um mesmo sabor. Até um cachorro treinado faria melhor. Mas Danilo não variava. Não pensava em algo novo, um assovio, por exemplo, ou a mesma palavra em tom debochado ou cantarolada com outras notas. Por quê? Por que não variar? Aquilo significava para ele uma senha válida, funcionando sempre, em plena atividade, um sinal consolidado que levava a uma sequência de ações sempre bem-sucedidas. No fundo, receava que qualquer alteração pudesse interferir nessa surda harmonia matinal, quebrando sutilmente o feitiço. Que feitiço? O que era aquilo? Cedo demais para saber. Eles não eram namorados, nada parecido, não se viam de alguma maneira especial, a não ser pela amizade acostumada, conveniente, sem conflitos. Rita aparecia com seus cadernos contra o peito, sorria habitualmente da mesma forma, trancava a porta da frente, que ficava no fim da varanda, um nível mais alto que a calçada, e, nesse momento, invariavelmente, ele observava a bundinha dela sob a calça ou sob a saia, enquanto a menina trancava a porta de casa, de costas para a rua, uns degraus acima. Naquela idade, mesmo entendendo que não conseguia evitar observá-la em segredo, o que não entendia era por que observava especificamente esta ou aquela parte do corpo dessa menina. Rapidamente se confundia com tais sensações involuntárias, não lhe ocorrendo, nem mesmo por instinto, para que serviriam afinal, e o que, exatamente, poderia fazer com elas – tanto com as sensações quanto com aquelas partes do corpo da amiga.

Mesmo hoje, enquanto assiste a si mesmo enfiando-se com prazer na companheira, não entende por que, exatamente, tanto a deseja assim. Parece-lhe carinhoso, quase sublime, pensar em Rita – talvez a primeira mulher que ele houvesse observado atentamente sob uma impressão de mistério. Mas nada parece carinhoso ou sublime agora. Nada desafia sua inquietação agora. Nada gera perguntas, nem mesmo mal formuladas. E é agora que ele deveria, de fato, procurar fazê-las. Que deveria tentar mais bem elaborá-las, com os recursos da consciência adulta, como também tentar respondê-las. É agora, muito mais do que antes, muito mais do que naquelas manhãs de escola, porta da frente e degraus da varanda, que deve tentar compreender. Mas agora, nem mesmo se motiva a isso. Agora ele se entrega a um animal escuro e secreto que francamente o habita. Agora não se importa se esta que se submete a ele é a Rita ou a Liana ou outra, não é capaz de reconhecê-la como pessoa distinta, nem lhe ocorre pensar no que ela estará sentindo ou pensando. Agora não pretende compreender o que quer que seja. Agora dispensa tolos mistérios e pretensas explicações, não quer saber como antes. Agora, não quer mais. “Assim!” Por fim, um último gesto. Um último puxão forte. Um último ato de pressão contra si mesmo. Um último gemido dela, antes de sua voz mudar de tom. Por fim, o encerramento do ritual. A realização plena. A constatação de um prazer especial, irrefreável, gratificante. Propiciado pela melhor coisa do mundo.

 Marcas de gentis predadores

 9. O rival de Churchill – sequência

7. Eu, datilógrafo – anterior

Guia de leitura

Imagem: Henry Asencio. Epifania.

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