Office in a Small City por Edward Hopper

Não há linhas retas até Estela

Tantas vezes se deu com habilidade a associação de uma dezena de símbolos somente para se constatar que era tudo falso ou tão verdadeiro que não necessitava dos textos, das telas e das partituras, que só o que sempre buscamos é o orgasmo e talvez o amor, esta palavra, apesar de suas estranhas variações.

Frank Vavruska. Telhados em uma aldeia medieval (detalhe). 1949Tantos caminhos oblíquos para buscar um sentido que não se pode ver entre os dias. Tantas vezes se repetiram os personagens na literatura e no teatro, tantas vezes revisitada a mitologia, a ânsia dos autores em contar que nada encontraram e fazendo disso suas obras, como faço agora enquanto lhe falo esta noite, tantas vezes se deu com habilidade a associação de uma dezena de símbolos, somente para se constatar que era tudo falso ou tão verdadeiro que não necessitava dos textos, das telas e das partituras, que só o que sempre buscamos é o orgasmo e talvez o amor, esta palavra, apesar de suas estranhas variações ou, pior do que isso, se na verdade há tal sentido e talvez não seja o esperado e talvez se possa perfeitamente prosseguir sem ele, muito bem e sempre, talvez ainda para tornar a dizer covardemente que tudo não passava e não passa de um jogo de palavras, um compêndio de signos mal manipulados, quando sem palavras não se poderia apontar aos outros as porções de poeira ou turbulência gratuita entre as quais se pode discernir uma estrela minúscula, quem sabe a dos desejos. Coelho dizia, sobre uns poetas muito famosos: “Escrevem, escrevem, escrevem. Dizem tudo o que dizem, e nada encontraram. Ninguém nunca encontrou nada, é preciso admitir isso.”. Que dizer das dimensões de um cérebro? – um emaranhado gelatinoso que pode ser carregado numa só mão. Mas até ele chegam a frequência do quasar e os giros do pulsar; a ele causa assombro que as anãs-brancas possam, como a loucura e a dor cabem difusamente nesse mesmo cérebro, pesar tanto mais do que é possível supor, sendo tão pequenas e aparentemente não tão concentradas. Comparar as nebulosas às infâncias, os processos de fusão dos gases projetando espirais de matéria incandescente, sim, a cada nascimento e memória em estado de névoa impalpável, sim, mas por que fazer isso? Você vê, eu não resisti. Minha obstinação, como parte da loucura, nada mais é que um átomo da anã-branca, ponto de massa intensamente concentrada, mas com grande força de atração, o que também me faz seguir, pouco importa se em harmonia com o universo ou fugindo às órbitas perfeitas, como se atrevem os cometas. Está bem, chega de órbitas e comparações românticas. Estela? Já chego lá. Como vê, sempre um caminho oblíquo antecipa o objeto final, não há como encontrá-lo em linha reta. De resto, são apenas necessidades minhas. Houve fases em que me debrucei muito sobre ilustrações hipotéticas e fotos mal definidas que configuravam as verdadeiras e impressionantes janelas do cosmo. Eu tinha mesmo uma forte atração por isso tudo.

Os últimos dias de agosto

85. Real e insuficiente – sequência

83. Sonho do rio antigo – anterior

Guia de leitura

Imagem: Frank Vavruska. Telhados em uma aldeia medieval (detalhe). 1949.

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