Office in a Small City por Edward Hopper

A fortaleza obscura de minha solidão

Com um cofrezinho de joias, Fausto aproximou-se de Margarida:
Vanessa não podia ser muito diferente daquela infeliz.

Marco Klee Fallani. Maçã.Apesar de tudo, não conseguia deixar de investir em meus sonhos com Vanessa. Não conseguia esquecê-la. Só pensava nela – portanto, em mim. Senti que não podia esperar mais. E resolvi agir.

Movido por um ímpeto de bravura que transcendia os meus limites da discrição e da razoabilidade, comprei-lhe um presente para o dia dos namorados. Sim, fiz isso. Era uma pulseira barata, de mau gosto, mas na época eu a considerei extraordinária. Com um cofrezinho de joias, Fausto aproximou-se de Margarida: Vanessa não podia ser muito diferente daquela infeliz. O problema era comigo. Cheguei a sonhar que prendia a pulseira em seu pulso, com delicadeza e cheio de amor, e então a peça se transmudava numa algema.

Bem, eram apenas sonhos fortuitos. Excitantes, concordo. De qualquer forma, era preciso agir. Tornar reais meus propósitos, fazer com que as coisas acontecessem, inventar situações de encontro, enfim, forjar uma maneira de entregar-lhe o maldito presente. Que me importava aquele sujeito que a lambia no intervalo? Se isso o irritasse, que viesse brigar comigo, que brigássemos então. Eu entraria com toda a fúria de meus ciúmes, meus patéticos ciúmes. Com sua calma e atitudes discretas, ele não era páreo para mim. Meus ciúmes doentios e meu ódio crescente haveriam de conferir-me dotes sobrenaturais. E força alguma pode conter o poderio devastador de tais dínamos metafísicos. Ah, sim: já ia me esquecendo da morte.

Eu estava confiante, como em tão raras vezes. Confiante, convicto de minha grande ousadia. Diante do espelho, aprimorava minha aparência resoluta, exercitava-me como se me protegesse uma armadura, uma panóplia de sentimentos legítimos. Ensaiava olhares e expressões afins. Voltava-me, simulando surpresa. Movia os lábios, como se falasse. Com a vantagem do segredo, desdobrava-me em ideias e pensamentos antecipados. Imaginava os efeitos e as consequências de tal atrevimento. Podia confrontar o espanto em seus rostos, preparava-me para tudo. Dezenas de frases previamente ensaiadas, inclusive algumas especiais para responder-lhes em um possível diálogo, constituíam meus trunfos. Preparava-me, pensava em tudo. Com o sabor nervoso de tais sonhos e na esteira das palavras premeditadas, eu me armava nessa fortaleza obscura que era a minha conhecida e persistente solidão.

A conspiração dos felizes – Guia de leitura

11. Melhor esquecer – mas não – sequência

9. Piano para um menino secreto – anterior

Imagem: Marco Klee Fallani.  Maçã.

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