Office in a Small City por Edward Hopper

Tchekhov – Angústia

tchekhovUm dos mais importantes contistas do mundo, lembrado entre mestres como Maupassant, Poe e Cortázar. Sua visão humana sobre as pessoas, sua neutralidade ao narrar episódios da vida comum e sua brilhante técnica narrativa fizeram dele um escritor como poucos, com textos primorosos, sem omissões e sem excessos, na medida exata para que não se perdesse o retrato psicológico das personagens nem o ambiente que frequentam. Tchekhov faleceu vítima da tuberculose, que tentou curar na Alemanha. De acordo com os relatos de sua esposa, em seus últimos momentos ele se sentou na cama, pediu champanhe, bebeu-a, sorriu olhando o copo vazio, inclinou-se sobre o travesseiro e morreu tranquilamente, como uma criança que dorme. A amostra a seguir é um trecho do conto “Angústia” (que traz como subtítulo “A quem confiar minha tristeza?”), no qual um velho carroceiro chamado Iona Potapov tenta contar a alguém sobre o episódio dramático que se abateu sobre ele há alguns dias, em meio à neve e aos rigores do inverno russo, na cidade grande.

Encolhido o mais que pode se encolher um corpo vivo, está sentado na boleia, sem se mover. […] Seu rocim está igualmente branco e imóvel. Graças a sua imobilidade, à angulosidade das formas e à perpendicularidade de estaca de suas patas, parece mesmo, de perto, um cavalinho de pão de ló de um copeque. Seguramente, ele está imerso em meditação. Não pode deixar de meditar quem foi arrancado do arado, da paisagem cinzenta e familiar, e atirado nessa voragem, repleta de luzes monstruosas, de um barulho incessante e de gente correndo. […] Iona estremece e vê, através das pestanas cobertas de neve, um militar de capote com capuz.

“Para a Viborgskaia!”, repete o militar. “Está dormindo? Para a Víborgskaia!”

[…] O militar senta-se no trenó. […] O cavalinho estica também o pescoço, entorta as pernas, que parecem estacas, e desloca-se com indecisão.

“Aonde vai, demônio?!”, ouve, logo depois, Iona exclamações partidas da massa escura de gente, que se desloca em ambos os sentidos. “Para onde te empurram os diabos? Mantenha-se à direita!”

“Não sabe dirigir! Olha a direita”, zanga-se o militar.

O cocheiro de uma carruagem solta impropérios; um transeunte, que atravessou a rua correndo e chocou-se com o ombro contra a cara do rocim, lança um olhar rancoroso e sacode a neve da manga. […] Iona volta-se para o passageiro e move os lábios. Sem dúvida, quer dizer algo, mas apenas uns sons vagos lhe saem da garganta.

“O quê?”, pergunta o militar.

Iona torce a boca num sorriso, faz um esforço com a garganta e cicia:

“Pois é, meu senhor, assim é… Perdi um filho esta semana.”

“Hum!… De que foi que morreu?”

Iona volta todo o corpo na direção do passageiro e diz:

“Quem é que pode saber! Acho que foi de febre… Passou três dias no hospital e morreu… Deus quis.”

“Dá a volta, diabo!”, ressoa nas trevas uma voz. “Não está mais enxergando, cachorro velho? É com os olhos que tem que olhar!”

“Anda, anda…”, diz o passageiro. “Assim, não chegamos nem amanhã. Mais depressa!”

[…] O cocheiro estica novamente o pescoço, ergue-se um pouco e agita o chicote, com uma graciosidade pesada. Depois, torna a olhar algumas vezes para o passageiro, mas este fechou os olhos e parece pouco disposto a ouvir.

Anton Tchekhov,  Angústia.

Conheça outro mestre russo e algo sobre uma de suas novelas aqui.

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