Office in a Small City por Edward Hopper

Todos nós morreremos na semana que vem. Parte 5

Uma pergunta perigosa

Ainda: não é a crença ou a descrença o que me impede de tentar morrer.
Disse certa vez que não me suicidava por falta de fé, mas isso é ridículo, além de ser uma grossa mentira.

Carl Spitzweg. Arte e ciência (detalhe inferior). 1880“Ateus: não têm nem vergonha de dizer que são ateus…”

Ora, não importam todas as histórias em que essa minha colega acredita. Nada passa a ser verdade só porque ela quer. Se Deus não existe, não existe para ninguém. Admito que é cansativo discutir isso, e pensar num assunto desses com seriedade está entre as coisas mais aborrecidas do mundo. Não adianta considerarmos infinitamente o emaranhado sucessivo de pregações que nós mesmos nos damos. E Deus sempre foi uma confusão dos diabos.

Ainda: não é a crença ou a descrença o que me impede de tentar morrer. Disse certa vez que não me suicidava por falta de fé, mas isso é ridículo, além de ser uma grossa mentira. Não importa ser um cético, não o ser. Não importa o que se imagina. A fé ou o nada, tudo nos convida à morte e, especialmente para alguém como eu, isso se faz indiferente. Ora, por que não me atiro logo pela janela? Não sei. Já disse que não tenho respostas. Creio apenas que, em última análise, viver é insistir no impossível.

Já me fiz a seguinte pergunta: que diabos eu faria se soubesse que iria morrer na semana seguinte? Exatamente: tanta coisa e talvez nada. A vida é assim. Na semana que vem ou daqui a cinquenta anos, o fato é o mesmo. Trata-se apenas de uma questão de tempo. A resposta a essa pergunta já está ao nosso alcance e é o que todos fazem o tempo todo, isto é, tudo o que fazem. Parece ridículo. Não é. Todos nós morreremos na semana que vem.

Sobre a mesma pergunta. Uns colegas mais audaciosos sugeriram estados de extrema devassidão e ruidosas bebedeiras, passando por perversões sexuais, enfim, tudo o que de verdade gostariam de fazer. O mais tímido sairia a correr nu pela cidade. O mais pacato garantiu que daria um tiro no presidente da República – mas claro que ele estava brincando. Todos eles cristãos, é preciso que se registre. Outros, mais respeitosos, disseram que apenas esperariam, com medo de Deus. A partir daí, nunca mais eu fiz essa pergunta a alguém. Não, nunca mais. Todos devem morrer na semana que vem, daqui a cinquenta anos, e meu receio é que descubram isso, que irão morrer mesmo, e deem início a um caos desenfreado de loucuras. Enquanto não sabem, o mundo continua como está, cada qual sua filosofia e conclusão. O céu é azul, por isso os patriotas venceram. Feliz ano novo.

Por que me preocupo de tal maneira e receio que o mundo se transforme num paraíso da algazarra? Por quê, se também eu vou morrer na semana que vem? Não sei. Ninguém sabe. Viver é mesmo insistir no impossível. E todos nós morreremos na semana que vem.

A conspiração dos felizes

Panfletários, mas por quê? – anterior

Dias nítidos, claros pesadelos – sequência

Guia de leitura

Imagem: Carl Spitzweg. Arte e ciência (detalhe inferior). 1880.

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Comentários

3 respostas para “Todos nós morreremos na semana que vem. Parte 5”

  1. Avatar de claudio hess
    claudio hess

    um minuto antes você não sabe da morte, e um minuto depois você não sabe que morreu!!

  2. Avatar de Perce Polegatto

    Obrigado, Octavio. Participe e me escreva sempre que quiser. Abraços.

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