Office in a Small City por Edward Hopper

Eu, onde estou?

Um novo calafrio, dessa vez mais agudo. Isso também não importa.
Nem o que me aconteceu ver e ouvir enquanto errava sem qualquer intenção por essas ruas.

Vincent van Gogh. Tecelão ao tear. 1884Eu observava tudo e não conseguia vislumbrar o que fosse importante. Nunca o suficiente. Pessoas por toda parte, homens com valises, funcionários uniformizados, estudantes e seus livros, qualquer coisa que sugerisse alguma seriedade parecia-me ridícula. Tenho desses momentos. Vendo os estudantes, voltava-me a adolescência, os tempos em que todos tínhamos de estar integrados uns aos outros, todos mais ou menos semelhantes, no fundo desejando constantemente mostrarmo-nos superiores aos demais, humilhando alguém mais fraco ou tentando ser admirado por nossos iguais do sexo oposto. Éramos todos ensinados a ser alguém, pois, quando não é mais preciso provar nada aos outros, torna-se difícil viver. Ninguém nunca nos ensinou a romper com tudo, inclusive com o gênero humano, e cada um consigo mesmo. (Claro, por que fariam isso?) Nunca nos foi dado desafiar a própria inexistência, blasfemar contra as dimensões possíveis e livrarmo-nos do conceito de ser um indivíduo entre outros, todos tão importantes. Se não fôssemos o que somos, como seríamos? Isso sim é uma pergunta idiota. E todos os conhecimentos que absorvi, como ficam? Mais uma. Foi por causa dos estudantes que pensei nisso, acho.

Ainda sobre absorver conhecimentos… Não, não é bem isso. Mas antigamente, isto é, até uns dias atrás, eu costumava entrar numa livraria, esquecia-me de tudo, tudo mesmo, e ficava ali por uma eternidade, folheando títulos, lendo prefácios e posfácios, orelhas, poemas inteiros – até que algum funcionário desse a entender que eu já estava absorvendo demais de sua mercadoria, o que não me alterava absolutamente. Difícil acreditar que eu passava em frente a uma dessas lojas sem o menor interesse, e mesmo com alguma repulsa por tantas prateleiras e volumes. Pois foi assim. Foi assim nesse dia.

Alguém esbarrou em mim. Que pressa eles têm. O que perseguem? Uma ideia. A ideia fixa, ou não tão fixa, que se inventam para poderem viver até a morte. Não é assim com todos? Homens que trabalham com fé na vida ou somente por dinheiro, militares com suas pátrias, religiosos e seus cultos, outros tantos… Eu, onde estou? Sim, a rua da livraria. Dizia-me, há uma semana, que não me esquecesse, quando passasse por ali, de… Não me lembrava mais o que era. Nem a que altura ou o que pretendia, enfim, nada. Um novo calafrio, desta vez mais agudo. Isso também não importa. Nem o que me aconteceu ver e ouvir enquanto errava, sem qualquer intenção, por essas ruas. No entanto, escrevo sobre tudo isso, o que não deixa de ser digno de escárnio.

 Quarta-feira (A conspiração dos felizes)

Eram eles os doentes, não eu – anterior

Como desviá-los de si mesmos? – sequência

Guia de leitura

Imagem: Vincent van Gogh. Tecelão ao tear. 1884.

por

Publicado em

Comentários

Comentar