Office in a Small City por Edward Hopper

Categoria: Poesia

  • Cantiga à moda dos trovadores

    Linda morena, quando eu te vi,não pensei que pudesses ser minha:nem era eu de estar por ali,nem pretensão de alcançar-te eu tinha. Ai, caprichos da terra e da vinha!– não pensei que pudesses ser minha. Teu sorriso, que então conheci,não era meu, não eras sozinha:nem por isso digo que sofri,nem menção de conquistar-te eu tinha.…


  • Camões – Aquela triste e leda madrugada

    Não, Luís de Camões não dispensa apresentações: eu quero, sim, apresentá-lo a meu modo. Pessoalmente, não me interesso muito pela grandiloquência dos épicos, por isso meu Camões é principalmente o poeta lírico que marcou, com seu brilhantismo, a poesia de seu tempo, pós-medieval, pós-provençal, agora primando por um nível de excelência como não se via…


  • Cesar – Primeira lição

    Ana Cristina Cesar foi uma poeta representativa da chamada geração mimeógrafo. Mesmo tendo formação clássica e após um período de aprendizado em Londres, quando conheceu mais a fundo obras de suas predecessoras, como Emily Dickinson e Sylvia Plath, inclui-se na poesia marginal dos anos 1970. Ana cometeu suicídio ao atirar-se pela janela do apartamento de…


  • Dobal – O mundo revivido

    Samuel Beckett declarava que a vida de um escritor não é importante, não tem nada de extraordinário, e o que conta é a sua obra. Até hoje tenho concordado com essa ideia. E isso apenas se reforça quando leio certos autores que conseguem tornar suas impressões da vida textos literários de atraente qualidade. Muitas vezes…


  • Diário contra o destino. Adicional

    Mosca/vidro A segunda estrofe sugere uma mosca indo e vindo, investindo contra uma linha imaginária à direita, batendo-se contra uma superfície sólida, porém invisível. Canção de ser Caminhando pelas ruas do centro velho, em minha cidade, percebi que aquele ambiente e o fato de eu estar sozinho inspiravam ideias literárias. Escrevi alguns poemas nascidos desses…


  • Por sua vez

    O faraó viveu muito, foi embalsamado; o servo viveu menos, foi enterrado – de qualquer forma, o tempo passou. Os arqueólogos que tudo isso entenderam também desapareceram, por sua vez. O que isto escreve, o que isto lê perderão seu tempo.   Leia mais poemas e sobre poemas: O recurso da relva Rapsódia em cinza…


  • Horácio

    A eternidade presente Horácio (Venúsia, 65 a.C. – Roma, 8 a.C.) Quintus Horatius Flaccus, considerado o primeiro literato profissional da Roma antiga, participou da conspiração que culminou com o assassinato de Júlio Cesar e chegou a comandar uma legião de soldados que lhe foi designada por Bruto. Filho de um escravo liberto que prosperou trabalhando…


  • Expresso

    Como os trens e os ônibus: as casas, os quartos, o leito primeiro – desde então toda parte, todo leito onde sonhamos – compõem um espesso comboio de paredes de trajetória (não vertical, que se supõe o tempo) horizontal como qualquer viagem. Embarque, desembarque: tudo se resume na estação que é. Os caminhos me pertencem…


  • Alexandre atacado por um vírus

    Desejos não nossos – e pareciam ser. E querem que sejam. E nos ensinam que sim – afinal, é nosso herói que entra em luta. E quantas vezes o planeta gira antes que a espada caia outra vez sem vida? Então – entre manhãs e tardes, a noite qualquer – a correia se rompe, o…


  • Em nome de tudo

    Em nome de tudo

    No princípio era o verbo – era nada. Era nada: outras eras desfizeram mais dessas doces mentiras. ……………..Eu sei, você sabe: palavras ……………..sempre serviram a nos enganar ……………..– claro, em nome de tudo. Que lindos são nossos livros. Que lindos, nossos ideais. Quem adivinha as lacunas mata a charada em nome de tudo. Em nome…


  • O tempo limpará tuas mãos

    O tempo limpará tuas mãos

    O tempo limpará tuas mãos de teres arranhado o rosto nas trevas – e antes que apodreçam. O tempo limpará tuas mãos de tudo que se tem armazenado em sua emulsão de cinzas. O tempo limpará tuas mãos de teres arranhado o rosto nas trevas – e antes que apodreçam. …………..Adeus, pássaro negro e agourento. …………..Não…


  • Aquarela

    Aquarela

    Toda vez que eu desenhava no chão da praça e te divertia com figuras cômicas e flores de mentira, secretamente eu te fazia minha. O traço e a cor de que dispunha ao dia buscavam reter por mais tempo, se tanto podiam, tua curiosidade aérea, teus olhos de menina. Porém, do arranjo de flores e…


  • Denise

    Denise

    Tenho um diário em branco onde dorme de negro Denise com seu dom  ………………..– negro, onde ela dorme. Tenho um diário de pedra onde Denise perde-se dos homens ………………..– pedra, onde se perde. Tenho (em vão) um diário contra o destino onde denuncio o descaso dos deuses ………………..– deuses, que digo? Noites sem estrelas são…


  • Galeria municipal

    Galeria municipal

    Repetidos retratos dos que não sei ou o que foram a mim (cidadão sem rosto) mal impressionam. Aprende de teus fantasmas natais: não há bronze que atenue o insólito de sua ausência nem hoje a tua disfarce a ti mesmo.. Leia mais poemas e sobre poemas: Espelho-rosto O homem do violão azul Imagem: John Singer…


  • Cemitério clandestino

    Cemitério clandestino

    Solo que me serve à margem dos que creem. Tu não sabes que me despi. Torno ao cosmo que me era – que sempre tem sido – sem a quimera que mal te atribuem, sem o sonho da alma que me querem.. Leia mais poemas e sobre poemas: Rapsódia em cinza O recurso da relva…


  • Noctívago

    Noctívago

    Torno a me encontrar a esmo, tão sozinho quão distante. Sou a sombra de mim mesmo a me procurar, constante.. Leia mais poemas e sobre poemas: Diário, 26 O homem do violão azul Imagem: John Atkinson Grimshaw. Uma travessa na Headingley Leeds. 1881.


  • O vidro

    O vidro

    Brilho do café como em festa: homens, mulheres, adolescentes ávidos/apáticos, sátiros maduros e suas pequenas – jovens como especialmente feitas para a carne. Outros passam pelo vidro à mesma noite: o travesti, a prostituta, o mendigo, o bêbado expulso, ………….os que ainda não chegaram ………….mas certamente virão mais tarde. Leia mais poemas e sobre poemas:…


  • Esfinge

    Esfinge

    Em parte decifrada e ainda que amanheça (treva que o haver luz pressupõe), como a destilar um secreto sarcasmo aos que julgam vencer-lhe o jogo. Absoluto o enigma dado a desvendar-se. Tudo era anterior à esfinge que confrontas: hoje menos desafia, tanto mais te devora.. Leia mais poemas e sobre poemas: Mosca/vidro O recurso da relva…


  • Galileu

    Galileu

    Manhã, amanhecer nas estradas. Ninguém mais precisa inquirir Galileu: silenciosa, serena, solitária, …………………………………………………….ela se move. Leia mais poemas e sobre poemas: Canção de ser O recurso da relva  Imagem: Edgar Alwin Payne. Trilha na serra.


  • O outro dia hoje

    O outro dia hoje

    De novo o dia hoje veio com seus habitantes sem rosto mas cada um seus traços únicos, cada transeunte que ontem passou hoje pelo mesmo dia.  ……………………..– veio o comerciante pela manhã ……………………..e descerrou sua loja de hoje, veio o garoto de entregas com sua bicicleta de rotina, ……………………..veio a jovem bem vestida, veio ……………………..ver…


  • Correspondência

    Correspondência

    1 Chega uma carta com vapores de além-mar e bandeiras enigmáticas – dentro dela e deste mundo, outro mundo se constrói. Claro envelope, mensagem das sombras. Dentro dele, tudo se resume: a terra e seus escravos, as despedidas nas estações, os pássaros e o sangue, as pontes com seus suicidas, as manhãs, os sinos fúnebres,…


  • Paisagem

    Paisagem

    Cidade infinita dos homens, imagem dos lugares a que pertenço sem que me pertença, cenário das sombras que me espreitam em lugares outros onde nunca estive: pior do que isso, tão nitidamente quanto neste dia, é sentir-me outro tempo, outro tempo em que eu próprio não esteja aqui. Não me chamem pelo nome: o indivíduo…


  • Todas as sombras

    Todas as sombras

    Não me entendas teu amante suicida que eu nem mesmo escreverei do nosso amor. Não me abraces esperando que eu te ame, o que há em nós não passa de conflito, e são enigmas além de teu segredo o que me assalta de mansinho e me arrebata.  Não, não me tragas mais poesia nos teus…


  • Estação das cinzas

    Estação das cinzas

    O som da vida ecoa pelos tempos, perdendo-se em si mesmo e indecifrável. Fora de meu quarto e além de mim, um universo inteiro espreita a noite-mãe (a poesia que seja num sopro disperso se esquece.)  Vão comigo as últimas aves, testemunhando as cinzas, as cinzas e as sombras que asfixiam os homens – carregando…


  • Tratado da insignificância

    Tratado da insignificância

    Olha como é pouco nosso tempo – e tudo, tudo tão pouco: pouca certeza, poucos passos, poucas aves… O movimento dos portos abertos, o passo duro dos soldados decididos, as rondas noturnas e os dias, o registro dos cadáveres gelados: tudo, tudo isso é pouco. Casas de apostas oferecendo números de chances infinitas, e os…


  • A trilha

    A trilha

    Fonte de alucinações inesgotáveis: serve-me um caminho em tua taça. Um caminho único me basta, um só destino-dia ………………..em meio ao caos, e eu o reclamo contra os ciclos limitados, para além de minha pobre anatomia-homem. Sejam flores a moldura de seu leito, encerre em seu íntimo armadilhas diabólicas. Por ele cavalguem ruídos macabros, flutuem…


  • Verso(s) só

    Verso(s) só

    1 Há vidas menores e maiores que a sua. 2 Sem movimento, na escuridão. 3 Mesmo assim… haveria alguém. 4 Observe seu rosto, o único rosto. 5 O verso impossível existe: este, talvez. 6 Tempo e espaço quase o mesmo, eis a poesia. 7 Sob o sol de um céu alegre, o simples sorriso de…


  • Sahara

    Sahara

    1 A, duplicado, sugere a extensão do deserto. É preciso não ter ouvidos nem olhos: o pior das miragens são os falsos oásis – quando nos convencem a ficar. 2 H interrompe o vento como se o fizesse engasgar com a areia. Nada do que existe fragmenta o insondável silêncio, antes sua surdez inviolável, soberana…


  • Diário, 26

    Diário, 26

    1 Estrela de minha noite clara, arqueira fugitiva de olhos vagos oculta na floresta dos segredos: vou caçar-te por toda a existência.  2 Toco o papel e escrevo, conto meu canto sem voz, registro que sou de mim mesmo em palavras possíveis. Toco o papel com meu sonho de criança condenada e assim atravesso minha…


  • Sol ancestral

    Sol ancestral

    Não o passado diluviano do Limulus nem o que coube da medusa arqueozoica ao homem do Quaternário. Não a formidável expansão do Cambriano, os megassauros do Triássico. … neblina glacial do Plistoceno…  Não a civilização com seus códices, a justa nação dos homens livres nem o que por erro se fizer futuro: o (mesmo) sol…


  • Rostos

    Rostos

    Para quem guardarás teu rosto? – este mesmo que hoje claro compartilhas com os que te sabem e também hão de acompanhar-te pelas sombras e mais que estranho aguarde em outras trilhas. Para quem guardarás teu rosto? – e a expressão possível de conquistas mais dignas se o mesmo destino sem trégua move a um…


  • Enciclopédia natural (nerudiana)

    Enciclopédia natural (nerudiana)

    Felis, Canis – nomes de deuses? Zinnia elegans, Eurypelma hentzii. Quem é a tarântula? Quem é a flor?  Quanto dura essa beleza? Até quando uma espécie, a mesma espécie? Ephemera, não só a borboleta. Anaconda, fêmea a destilar secretos venenos. Gorilla gorilla, ……………………………repetimos os primatas. Hyla faber – ninfa dos repuxos? (Essa adorável rãzinha habita…


  • Espermatozoide

    Espermatozoide

    Do impulso à frenética carreira, na ânsia de realizar-se, tornar-se todo ……………– e não sabe se será ……………………o bispo ou a besta, …………..o rei ou o réprobo …………………………….o mago ou o mendigo, ………………..o juiz, o facínora, o amante… o morto. Leia mais poemas e sobre poemas: Gárgula Eu morri pela beleza – a arte de…


  • A primavera segundo:

    A primavera segundo:

    Vivaldi Verdes diversos verte a paisagem que não passa. alheia e ao fundo de tudo o que é. E nada se ouve. E nada se vê. Stravinsky Rompe a tormenta com seu poder de estrondo os troncos. Trama dos troncos, ventre da seiva seviciada: mais violento invade o poeta que a desfruta. Willie “the lion”…


  • Luminária

    Entra o inseto, intui salvar-se pela luz intensa. Entrega-se a morrer sendo mais um e sem saber a verdade. Que mais o anima senão a alma suposta que o é? Que mais sua vida senão seu próprio estado de ser? Inseto talvez de não ter sido e não haver acreditado. De existir e deixar de…


  • Dicionário

    Dicionário

    Estado bruto de toda palavra possível, gama de gemas por desencravar, dicionário a ser discernido e todo erguido muralha à força de andarilhos sem chave.  Erva e estrela (contidas) combinadas em ordem própria de variações, grafia de esfinge no corpo grifado ao sabor de secretos idiomas.  Tomo encantado, mistério e metáfora: devagar, o universo é…


  • Gárgula

    Carranca medonha no chafariz da infância, mesma água de narinas gorgolejando eterna borbulhante: gárgula grutesca desde agourentos pesadelos de menino.  O pai no passeio das fontes – reentrância minha, íntima de musgo, relevo e pedra limosa de tardes suaves não mais para sempre. Ainda aqui, em teu exílio de monstro, mesma tua água gutural goelarganta…


  • Mosca | vidro

    Mosca | vidro

    Janela que se sonha vidro (e sempre o que buscas, paisagem vã), vidro que se sonha aberto, ausência que se faz a mesma. ……………………………………divisão invisível de nada …………………………………………………….mosca vencida …………………….no afã de transpor …………………………………………………a máscara do dia. Alma: que se sonha mosca. Vida: que se sonha vidro.  Leia mais poemas e sobre poemas: Rapsódia em cinza…


  • Isto

    Isto

    Isto o que sou, isto? Existo, então é isto? (Só isto?) É disto que me visto? Que mais posso esperar do sonho misto – e somos eu e isto – que hoje ilude e anima enquanto insisto? ……………Mentira do que somos só por sermos: ……………tudo e às vezes nada. Nunca ……………e às vezes isto: ……………entre…


  • Obra

    Obra

    1 Livre da amorfa ilusão do tempo (e qual um deus) construo uma pedra sem data que permaneça seu próprio monumento. Indiferente ao quando de seu antes, dispensado o bronze que a preserve, não se arremesse ao depois de seu sendo: que simplesmente exista.   Como se sempre houvesse estado aqui.  2 Pedra dos monumentos,…


  • Quarto

    Quarto

    Quero um quarto só janelas para que eu possa fechá-las todas tornando-o menor e meu. Quero que seja menor e menor mas com muitas janelas cada vez maiores – para que eu possa fechá-las todas. Para que sempre eu possa fechar-me todo, janela após outra, e me feche outra vez cada vez mais. Múltiplo, tenha…


  • Manifesto

    Manifesto

    (Este poema em prosa tinha uma razão de ser quando foi publicado pela primeira vez.) Não escondeu o matagal o sangue puro do povo, nem o tragou a areia do pampa. Ninguém escondeu este crime. O  Crime foi no meio da Pátria. – Pablo Neruda, Os massacres 1 Um coelho indefeso, objeto de caça, se…


  • Lugar

    Lugar

      Tua alma                                                           a teu ver eterna-inútil. Tua morte                                     sonho de renascer absurdo-vão. Teu corpo                                           lugar que te cabe e não outro.   Deuses-deus                                                              de…


  • Espelho-rosto

    Espelho-rosto

    Oxidação, reflexos: a fina ferrugem minando a margem mostra-me que a morte perpassa os dias na superfície insólita do mundo e forja a face do tempo em sua fuga.


  • Pequenos coletores de papel

    Pequenos coletores de papel

    Descansam a carreta no pouco onde cabe toda a vida de nunca descansar. O pequeno aperta os olhos contra o sol. De mangas enormes, acena o mais velho (ou seca em seus farrapos o suor da testa?) Não, esses meninos não são o objeto de minha arte:                eles são suas próprias vidas. Quando acenam,…


  • Canção de ser

    Canção de ser

    Aura da morte no mofo das fachadas, ameaça inerente às coisas que são e têm sido. Torna a chuva a demarcar o tempo, supõe ouvir: é preciso coragem.


  • Rapsódia em cinza

    Rapsódia em cinza

    Sol em teu passado, mesmo que hoje atravessa teus olhos. Mesmo o inverno. Dias de chuva. E teu sonho.


  • Álbum

    Álbum

    Pó sobre os retratos (não adianta soprar), sépia minando varandas, jardins intransponíveis.


  • O misterioso Paul Celan

    O misterioso Paul Celan

    Romeno de nascimento, Paul Antschel, na versão germânica, ou Ancel (cuja inversão de sílabas usou para definir seu pseudônimo), sobreviveu ao Holocausto. Mas nos campos de extermínio nazistas perdeu todos os outros a quem amava. Essa desgraça, como naturalmente se pode deduzir, marcou para sempre sua vida e sua obra.


  • Eu morri pela beleza – a arte de Emily Dickinson

    Eu morri pela beleza – a arte de Emily Dickinson

    Sim, a arte de Emily, a arte dos inéditos. Há outros casos curiosos de autores que não conseguiram publicar seus textos em vida. Talvez o mais conhecido para nós, de língua portuguesa, seja o poeta Fernando Pessoa, que em vida publicou seu poema Mensagem por ter sido classificado em um concurso literário – ele ficou…