Office in a Small City por Edward Hopper

Venham ver os porcos voando

… que acontecem

Acreditem, a aula era sobre Chapeuzinho Vermelho. Na verdade, tudo começava com um conto de Guimarães Rosa, usado como base para um trabalho de compreensão de textos. De qualquer forma, os alunos pareceram surpresos ao constatar que o lobo não era nem um maníaco sexual nem um serial killer, ou teria assaltado a menina ali mesmo, na solidão privilegiada da floresta. Mas isso é outra história, não interessa agora. O que importa é que, a seguir, entre as atividades, havia uma questão sobre preservar ou não a ingenuidade na fase adulta, coisas inspiradas pela Chapeuzinho dos Grimm, mesmo que não necessariamente fosse um bom exemplo disso, que as significações são outras. Uns alunos contaram conhecer pessoas mais velhas que continuavam ingênuas e, mesmo assim, viviam muito bem. Outros defenderam ser impossível conservar tais aspectos de pureza na fase adulta, entre os vários lobos que formam nossa sociedade. Nessa parte da aula, eu me lembrei de uma anedota medieval que uma vez me emocionou – será isso um sinal de mudança, a historinha não me emocionar como antes? Espero que não. Digo, se isso é uma mudança, não deve ser uma boa mudança. Não se emocionar com alguma coisa é uma perda, não um ganho. É um esquecimento, não uma conquista. Enfim, a historinha que recontei naquela noite: numa época em que só os homens podiam estudar e, aliás, só havia educação nos meios religiosos, um professor, constatando a extrema pureza e inocência de um de seus discípulos, quis dar-lhe uma lição, com a boa intenção de fazê-lo despertar para a realidade. Durante uma aula, quando os alunos estavam entretidos com uma tarefa, o professor foi até a janela e exclamou: “Corram, venham ver os porcos voando! Venham, venham ver os porcos voando!” O rapaz em questão correu à janela, e é claro que não havia porco nenhum voando ali por perto. Os colegas todos riram dele, admirados com a situação patética, e o rapaz, de cabeça baixa, permaneceu calado, vermelho de vergonha. O mestre, com pena dele, numa atitude paternal, pousou a mão em seu ombro. “Então, rapaz? Você acreditou mesmo que os porcos pudessem voar?” “Eu pensei”, disse ele decepcionado, “que seria mais fácil os porcos voarem do que o senhor mentir.”

Mais do que acontece: Quem era esse demônio?

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