Office in a Small City por Edward Hopper

Foi bom ela não ter vindo

Eu tinha a impressão de que Vanda se parecia com Bruno. Era despreocupada e sensual.
Para minha sorte, talvez, ele conhecera Lea primeiro, ela que também merecia sem muito esforço a atenção dos homens, outro estilo de fêmea…

Meia hora andando em círculos no saguão de entrada. Os mesmos cartazes revistos dezenas de vezes causavam-lhe repugnância. A menina da roleta o observava todo o tempo, de sua curiosidade ociosa, quase parecendo satisfeita por constatar sua irritação, estranho gosto que não compreendemos de imediato, mas que geralmente provém de um motivo mais doloroso e trágico do que vagamente imaginávamos. Lá dentro, a fala acadêmica e incompreensível do locutor de noticiários garantia a lição de tédio. Júlio arranhava o rosto em lapsos de impaciência, e mais de uma vez evitou pensar em voz alta. Foi bom ela não ter vindo. Não vou ter que assistir a essa droga de filme. Estava bêbado quando a convidara, e o tal filme foi o único que lhe ocorreu, só por ter ouvido falar demais nele. (O filme, aliás, fazia muito sucesso e lotava os cinemas, o que reforçava suas suspeitas de que não fosse mesmo grande coisa.) Talvez por isso ela houvesse recusado. Ou talvez, o que lhe parecia mais provável, porque não estivesse interessada em prolongar aquela noite no constrangimento incômodo de novos encontros com alguém que mal conhecia. Revia quase perfeitamente o momento em que lhe fizera a desencontrada proposta: vendo que ela não se dispunha a aceitar, ele já se conformava e se arrependia por haver insistido. Mas: “Combinado”, ela e um sorriso. E ele teve que aceitar.

Meia hora depois de sua primeira esperança, estava finalmente convencido de que Vanda não viria mais. Assim são as festas. Seu consolo era não ter de suportar aquela droga de filme, a história enfadonha e pouco convincente de um piloto que tinha duas amantes e que se ambientava em diversas capitais do mundo, Hong Kong inclusive, como não poderia deixar de ser.

“Oi”, ela como se não soubesse seu nome. “Faz tempo que você tá aí?”

Quase não sentiu um beijo muito rápido de quem, como ele, não sabia ao certo como proceder. Júlio entregou a ela seu ingresso, passaram pela menina da roleta, desceram à sala de projeção e ficaram vendo aquela droga de filme.

De lá, foram a um bar sem música que ele já conhecia e ela também, o que frustrou um seu secreto desejo de impressioná-la. Depois, ele a acompanhou até o edifício onde ela morava. No sábado seguinte, foi buscá-la nesse mesmo endereço, o dela, o da festa e das gafes, foram a um bar com música que Júlio julgou apropriado para impressioná-la e que ele não conhecia ainda, mas ela já.

Eu tinha a impressão de que Vanda se parecia com Bruno. Era despreocupada e sensual. Para minha sorte, talvez, ele conhecera Lea primeiro, ela que também merecia sem muito esforço a atenção dos homens, outro estilo de fêmea, menos evidente mas chamativa à sua maneira, posso lhe garantir. Talvez não se entendessem (Bruno e Vanda, digo) justamente por isso, de serem parecidos, e brincassem um daqueles joguinhos cruéis de ciúmes recíprocos ou se agredissem como adolescentes ou vivessem como dois… Júlio, eu me dizia. Pare de se consolar. Você é que tem medo de que eles se descubram. “Você está saindo com aquela loirinha tesuda, Júlio?”, ele muito interessado. “E ela comigo. Não é loira, é castanha. Não sei direito. Agora esquece isso.”

          Os últimos dias de agosto

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Imagem: Jo Clouden. Círculos no tempo 2.

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