Office in a Small City por Edward Hopper

Todas as sombras

Odilon Redon. Homem primitivo (sentado nas sombras). 1872Não me entendas teu amante suicida
que eu nem mesmo escreverei do nosso amor. Não
me abraces esperando que eu te ame, o que há
em nós não passa de conflito, e são
enigmas além de teu segredo
o que me assalta de mansinho e me arrebata.
 
Não, não me tragas mais poesia nos teus olhos.
Há ventos estranhos, resíduos vivos,
há um desperdício de sangue nas fronteiras,
e hoje eu tenho que morrer, morrer um pouco.
Há sarcófagos ocultos onde ainda repousam princesas,
há terríveis profecias trazendo devastações de gelo e fogo,
há livros enormes (dentro deles, os heróis se sacrificam),
há astrônomos, videntes e palhaços, há um circo na cidade.
Vagam fantasmas de incerto destino, há névoa no ar.
Um pesadelo persegue as pessoas.
De esterco nutre-se a floração enquanto a arquitetura da morte
Mulheres soluçam, sozinhas de sexo.
A fome devora as aldeias.
……………….(… em outras galáxias, povos inteiros sucumbem,
……………….um milênio e mais um, morrem civilizações,
……………….e outras nascem
……………….ao tempo em que sonho…)
Há pontes sombrias
e rios infinitos murmurando um pranto lamacento.
Há muralhas, cordilheiras, guerrilheiros,
há missionários perdidos na selva para sempre.
Há um velho solitário que conhece os segredos do inverno
e um gênio no fundo de um bar, esquecido.
Caem dinastias para sempre,
criam-se potências e tiranos dissimulados,
morrem bravos e covardes por amor,
séculos correm.
Há homens cavando uma mina distante,
fósseis que nos lembram os dilúvios fabulosos
………………e algas oceânicas em lamas primitivas.
Não esperes mais de mim que meu tormento. Há muito
me perdi nas águas cristalinas dos teus olhos,
embora nosso beijo no passado
fosse menos violento do que as próprias tempestades
do universo
em recentes espirais de estrelas jovens.
 . 

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Imagem: Odilon Redon. Homem primitivo (sentado nas sombras). 1872.

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