Office in a Small City por Edward Hopper

Sonho 3340. Umas ruas, uma cidade cor de areia

A rua tem um degrau. A partir desse degrau, torna-se outra rua, em outra cidade.
Sinto que estou mais próximo do conhecido portão de casa, a casa onde vivi parte de minha conturbada infância.

Meu pai, falecido há quatro anos, vai ao volante. Minha mãe, no assento ao lado. Eu, no assento de trás, mais próximo de minha mãe. Peço que ela se incline para lhe falar ao ouvido, sem que meu pai perceba.

“Tenho uma memória muito nítida de ele ter morrido.”

Ela volta a se inclinar para frente, retomando sua posição anterior, em silêncio, mas entendo que está incomodada com isso, como se quisesse negar minha afirmação, articulando uma maneira de refutá-la, mas ainda não encontrando as palavras certas.

No instante seguinte, estamos caminhando por ruas calçadas de pedras, casas feitas de barro, como alguma cidade esquecida do Oriente, talvez de algum país do norte da África, na qual não há passeios para pedestres, e as paredes das casas toscas parecem plantadas ao longo das laterais das ruas. Tudo ali parece mostrar as variações da cor da areia mais ou menos clara, avermelhada ou marrom ou amarela.

Meu pai não está mais conosco. Mas minha mãe diz que ele está ali por perto, que ele logo nos reencontrará. Ela também me diz, referindo-se a uma mulher que não conheço, como sendo uma espécie de artesã ou sacerdotisa.

“Ela fez os olhos de cinza. Ela faz olhos das cinzas. Olha bem no rosto dele e você vai ver que é perfeito. São olhos de cinza. Ninguém percebe a diferença.”

Procuro meu pai, olho ao redor, desejando ver seus olhos de perto. Poderia continuar procurando. Em vez disso, sem motivo aparente, começo a caminhar de volta para casa, que suponho ser ali perto, entre as esquinas de pedra, formando ruas em L que nunca mostram ao certo onde vão dar, mas nunca destoando desses ambientes cor de areia.

Agora estou quase correndo, com passo muito apressado, pois minha mãe me persegue, tão apressada quanto eu, andando rápido, em meu mesmo ritmo, como para não deixar que eu me distancie dela, enquanto chama:

“Espera! Volta! Você tem que ver os olhos dele. Não é o que você está pensando…”

Eu lhe respondo, sem parar de andar, apenas voltando a cabeça para trás.

“Não, mãe. Eu tenho uma memória nítida de que ele morreu. Ele não está aqui. Nunca mais.”

A rua tem um degrau. A partir desse degrau, torna-se outra rua, em outra cidade. Sinto que estou mais próximo do conhecido portão de casa, a casa onde vivi parte de minha conturbada infância. Nesse outro ambiente, longe das ruas orientais, alguns de meus primos e primas estão de pé, parados, dos dois lados da rua, e me acenam com a cabeça, um sinal de que estão do meu lado, de que tenho razão quanto à morte consumada de meu pai. Minha mãe, com certa exasperação, começa a correr, agora disposta a me alcançar.

“Volta! Você precisa ver os olhos dele! Os olhos de cinza que ela fez. Ninguém percebe a diferença. Você não pode fazer isso comigo. Você não pode fazer isso comigo…”

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Imagem: Jean-Léon Gérôme. Comerciante de cavalos do Cairo (detalhe). 1867.

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