Office in a Small City por Edward Hopper

O fim dos fins

… que acontecem

Sobre o propósito de tudo que existe, Dostoiévski escreveu que o fim de todos os fins seria não fazer absolutamente nada. Se não me engano, isso está em Memórias do subsolo, visto como o primeiro texto existencialista da literatura – embora eu considere o poeta persa Omar Khayyam um existencialista quase declarado, em sua obra de mil anos antes. Mas o caso é outro. É que isso de o estágio final de tudo que se possa imaginar acabar sendo não fazer (confortavelmente) nada de nada foi o que me ocorreu enquanto um aluno do Audiovisual, caminhando ao meu lado por um dos movimentados corredores da faculdade, conversava comigo.

“Tô indo pra cantina”, ele disse. “Você vai por aqui?”

“Vou. Vamos.”

“Fico pensando nuns caras que nem você, que não acreditam em nada…”, ele começou.

“Ahn… Sei. E daí?”

“Fico pensando… Não acreditar em nada, sabe…”

“Ahn… Sei. Não é bem isso, mas… e daí?”

“Sei lá… Fico pensando… Qual seria o sentido da vida?”

Não. Fala sério. Outra vez? Será que isso só acontece comigo?

“Nããooo…”, brinquei, como se fosse um ator medíocre diante de uma tragédia.

Cobri o rosto com uma das mãos (estava segurando o material com a outra, senão usaria as duas, com toda ênfase), movi a cabeça para cima e para baixo, então pus a mão em seu ombro e falei, nesse clima de bom humor que ele já conhecia das aulas:

“Cara, não me pergunte isso de novo. Não, não me pergunte o sentido da vida nunca mais, não é possível. Parece que está escrito na minha testa que eu é que tenho que saber uma coisa dessas. Olha, sério, mesmo quando eu acreditava em “tudo”, também não fazia a menor, mas a menor ideia de qual era o sentido da vida. Até hoje, que eu saiba, ninguém chegou perto de uma única pista sobre isso. Entendeu? Nenhum filósofo, cientista, artista, santo, bandido… No fim de tudo, de tudo mesmo, no fim de todos os fins, ninguém vai fazer absolutamente nada. A longo prazo, longo, longuíssimo prazo, não vai existir nada pra fazer. Nem vai ter alguém pra fazer qualquer coisa. Não há objetivo nenhum em coisa nenhuma que você acreditar ou deixar de acreditar. E do jeito que eu sou tapado pra isso, acho que vou ser a última pessoa do mundo a saber, se um dia todo mundo ficar sabendo. Nunca ninguém encontrou um sinal, mas um sinal que seja, de uma resposta dessas. Entendeu? Mas tem uns caras lá na Índia que devem saber, que eu já vi na TV. Só que eles não contam pra ninguém, esse é o problema.”

“É?”

“É. Esse é o problema. Eles ficam sentados o dia inteiro, pensando. Pensando não, refletindo. Refletindo não, meditando. Enfim, fazendo alguma coisa que dá pra saber o sentido da vida. Então… Entendeu? Olha, é sério. Pra mim, pra mim aqui, seu professor de Adaptações Literárias, que sai de casa à noite pra trabalhar e ganha por aula, que mora longe das florestas da Índia e das montanhas do Nepal, não pergunte isso nunca mais. Certo?”

“Certo”, disse ele meio sorrindo, mas não muito convencido de que eu não atinava com o sentido da vida. Quase perguntou de novo.

“Tá indo pra cantina?”, eu o abracei pelo ombro. “Vamos lá então. Vamos comer uma barrinha de cereal, tomar um suco de máquina e ver umas meninas.”

Mais do que acontece: Como você pode pensar isso? Credo!

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