Office in a Small City por Edward Hopper

Sonho 3588. Prokofiev à porta

Entenda, eu estava exausto.
Era um momento de minha vida em que as coisas estavam perdendo todo o significado.

O sonho é bem simples, Juan. Parece ser. Não sei. Uma conversa tranquila, sob as árvores lá da frente. Frente de casa. Prokofiev ali, ao portão. Calvo, óculos, olhos claros. Então, é aqui que você mora? Ele me entrega uma pasta fina, papéis dentro, vejo que são partituras amareladas mal-arranjadas, margens escapando do retângulo verde-escuro que é a pasta. Eu lhe trouxe um último concerto. Um último concerto? Como? Não compreendo. Isso me fazia culpado, repentinamente. Culpado, constrangido. Olha, Sergei Senhor Prokofiev, é, foi assim mesmo que eu disse, coisa de sonho. Sou um grande admirador do seu trabalho, do seu trabalho magnífico intenso emocionante. Para o senhor ter uma ideia, a única coisa de que eu me arrependo em toda a minha vida foi daquela vez em que dormi durante um de seus concertos, particularmente o Número 2, para piano. O mais lindo. O que mais me fascina. E eu adormeci. Eu estou em falta com muitas pessoas, com muitas coisas, comigo mesmo até, nem sei mais com o quê e com quem mais. Na verdade, eu cochilei apenas, sem defesa. Dois ou três minutos, quando muito. Sem defesa. Mas eu estava exausto, entenda. Entenda, eu estava exausto. Era um momento de minha vida em que as coisas estavam perdendo todo o significado. Em que eu não conseguia mais identificar as coisas que-eu-mais-tinha. E a sua música ainda era o que de melhor e mais humano eu podia identificar. Um último sinal de vida nas trevas. Quando eu era adolescente, sabe, sonhei que os Beatles é que tinham ido até minha casa. Mas eu cresci. E hoje é o senhor quem está aqui, comovendo-me sem saber, intenso. Prokofiev entrega-me a pasta, tranquilo neutro genial. Tome, fique com isso. Um último concerto. Um concerto sem número.

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Imagem: Sergei Prokofiev (1891-1953).

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