Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 22

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

No sábado, falei com meu pai.

“Tudo certo por aqui sim”, disse ele na tela do GP. E lá vinha o Fução, entrando pela porta da sala, só de ouvir que o seu Geraldo estava emitindo sons enquanto respondia a um interlocutor qualquer. Meu pai segurou a cabeça dele, fazendo-a balançar para os lados, um tipo de carinho que ele adora, antes de tocar-lhe a testa com a sua. “Agora você vai ficar quieto aqui embaixo, tá ouvindo? E eu vou conversar com o meu filho querido.”

O Fução pareceu ter se acalmado. Saiu de meu campo de visão. Pelo menos, não passou à frente de meu pai para farejar ou lamber a tela.

“Esse Fução é mesmo o máximo”, eu ri.

“Muito especial, muito mesmo. Precisa ver como ele conversa comigo!”

“Já vi. Lembro muito bem disso.”

“Parece que entende tudo. Chega a latir de leve ou uivar fraquinho ao final de alguma frase, como se dissesse: ‘Tudo bem, entendido.’. Nem sei mais como era viver sem ele. Semana passada, levei na doutora Angelina: ele teve uma diarreia. E não era nada. Ele está ótimo de saúde. Quando lembro de como era magro, esquelético, doente, no dia em que ele apareceu aqui, no gramado da frente…”

“Especial mesmo, um amigo e tanto. E a dona Conchinha, está bem? Tem falado com ela?”

“A Consuelo? Mais ou menos. Teve uns probleminhas de saúde há pouco tempo. Coisa de mulher. Mas está bem sim. Outro dia fui jantar na casa dela. A gente se vê quase todo dia, dia sim, dia não, desde que resolvemos parar de dormir juntos, você sabe. Estou bem assim, e ela também.”

“Sei. Bom saber que são tão amigos, que continuam sendo.”

“Somos sim. Depois que a sua mãe morreu, achei que nunca mais eu iria me recuperar e ter junto comigo alguém que eu pudesse amar com sinceridade. O Fução e a Consuelo são hoje o que eu tenho de melhor na vida. Fui abençoado, com esses dois.”

Pigarreei, irônico.

“Ah, e também você, claro!”, riu com gosto. “Só que ficou longe de mim, ora!”

“Mas não por isso, Papai Bode”, eu ri também. “Você, colocando sua ex-namorada e seu cachorro no mesmo balaio…”

“Ah, mas do ponto de vista do afeto, é isso mesmo, isso mesmo que você ouviu, ele e ela renovam meus sentimentos todos, sabe como é… E falando em ficar longe, quando é que você vem pra cá?”

Tomei um gole de água, garrafinha plástica que estava ali, ao lado do GP.

“Olha… Talvez no feriado do mês que vem. Vai ser na quinta. Posso compensar a sexta, e me sobram uns dias.”

“Tão longe assim? Depois não sabe por que perde pontos na minha lista de mais amados do mundo, não é? Mas tudo bem. Quero saber se você está bem, se as coisas estão bem por aí.”

Respondi que sim e, num instante, repassei meus encontros no Café Silene, minha investigação minuciosa em busca da identidade daquela voz cristalina e dura, caída das esferas, saindo das trevas, minha proximidade despretensiosa com a Cleo, boa companhia, renovando meu gosto por livros físicos e também por releituras… “Tenho muito que contar”, pensei em lhe dizer. Mas não, não tinha muito não. Não tinha nada. Minha relação com a informante invisível era, e tinha de ser, absolutamente sigilosa. E a Cleo era apenas uma colega com quem eu conversava um pouco mais, por culpa de certas afinidades.

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