Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 23

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Eu me apegava cada vez mais àquela rua estreita que servia de endereço ao Café Silene. Tinha vontade de desenhá-la. Esse bairro, o da Redenção, que eu, na prática, nunca frequentava, atraía-me por esses recortes inusitados, trechos de ruas em paralelepípedos, quebras abruptas entre uma via de acesso e outra, ruas que se estendiam em curvas suaves até se tornarem, com seu prolongamento, perpendiculares a si mesmas, tendo em vista seu segmento anterior. Antes de chegar à frente da cafeteria, parei para respirar em outra frequência, integrando-me mais uma vez ao cenário que me envolvia de maneira obscura e inspiradora. De fato, as segundas-feiras, àquelas horas, eram quase completamente desertas nesse ponto do bairro, pontuadas pela presença discreta, fugaz e pouco relevante de uma ou outra pessoa que passava a mais de uma quadra dali, de uns últimos cães vagabundos, em busca de restos, e de uns gatos furtivos que talvez se sentissem donos das dimensões noturnas. Pouco à frente, no fim da rua, o muro alto da antiga fábrica desativada, que eu já conhecia e perscrutava a distância, sentindo-o como o guardião silencioso de algum resquício de sonho que, em conjunto com tudo que eu podia contemplar, até onde alcançavam meus olhos, também sofria de solidão.

“Boa noite”, falei logo ao entrar, devidamente mascarado com os óculos escuros.

“Boa noite”, respondeu a voz inconfundível, na escuridão.

Sentei-me à mesma mesa da semana anterior, de frente à estante de bebidas que se estendia até o teto da parede oposta, atrás do longo balcão inteiriço.

“Que bom sermos pontuais. E aceitarmos as condições que nos permitem prosseguir em harmonia”, disse ela, quase dócil. Mas predominava um tom sereno de neutralidade.

Acomodei-me, posicionando a cadeira, tirei do bolso a caneta, dispus à minha frente meu bloco de anotações e o envelope com papéis avulsos, que eu nem sabia ao certo por que trazia, esses papéis de rascunho extras, já que o bloquinho servia muito bem ao mesmo propósito. Excesso de zelo, como dizem, ou algum receio inconsciente de perder um ou outro.

“Trouxe o seu Malpro”, lembrei. “Posso jogar pra você?”

“Sim. Obrigada.”

Virei-me um pouco, atirei o maço em sua direção. Ouvi o ruído suave da embalagem tocando a mesa, depois um silêncio interrompendo alguma continuidade: provavelmente ela o tomara agilmente entre as mãos.

“Vou trocar de óculos agora, certo?”

Continuei falando sozinho.

“O tempo deu uma melhorada hoje, não é mesmo? A umidade do ar se manteve no mesmo nível do índice médio da semana passada.”

A escuridão suspensa deixava claro que ela não tinha interesse em participar de comentários sobre o clima, poupando-se de emitir novos clichês que fizessem estender ou lubrificar as repetitivas engrenagens da função fática da linguagem.

“Só falta alguém nos servir um café aqui, não seria bom?”

Ouvi que ela acendia um cigarro. Percebi um breve clarão, fora do alcance de meus olhos, sempre voltados, conforme as instruções dela, para outra parte do ambiente.

“E então?”, perguntei. “Como foi a sua semana? Tudo bem? Você está bem?”

A primeira porção de fumaça branca provavelmente já partia de sua boca para desenhar mais silêncio entre nós. Era hora de eu deixar de bancar o sociável, o cidadão comum, cotidiano, simpático, bem-educado, e ater-me ao essencial. Com uma mulher assim, não se pode ser comum. E tudo nela parecia ser essencial.

“Estou preparando um texto”, comecei, como prestando contas a ela. “Quero usar os pontos mais importantes das informações que me passou, montar de um jeito que todos possam compreender claramente. E que possam ler facilmente também. Fluentemente. Um tópico informativo, instrutivo, mas que, ao mesmo tempo, seja atraente por sua estética própria. Penso que, em mais duas semanas, devo publicá-lo.”

Ela parecia ter evaporado, tamanha a falta de ruídos, mínimos que fossem. Fiquei um pouco tenso diante dessa sensação imediata, singular e aflitiva. Eu sabia que ela ainda estava ali! Abri a boca para perguntar-lhe algo, e ela voltou à vida.

“Sei que não publicou nada ainda. Tenho acompanhado sua revista. Leio tudo o que escreve. E uma publicação dessas não deixaria o cenário político imune. As repercussões tendem a ser imediatas. E perturbadoras.”

“É… Sim, devem ser”, concordei meio atrapalhado, quase gaguejando com tão pouco. A força de sua influência, sua voz incisiva, seu magnetismo punham-me alterado a qualquer momento, como se me dessem um susto, uma espécie de chacoalhão benigno, quase com intenções didáticas, de uma mestra, com algo de sobrenatural, ao seu discípulo.

“Sobre esse tópico que eu estou montando… Ahn… Você gostaria de dar alguma sugestão?”

“Não.”

Involuntariamente, eu trazia na memória o rosto das quatro finalistas, além das outras duas, as mais velhas. Quem sabe, por artes de um brilho inusitado de intuição, de um palpite caído das nuvens, de uma centelha quase mágica, eu pudesse associar, com certa plausibilidade, alguma daquelas imagens selecionadas a essa sua voz, à sua maneira de ser. Mas não podia. Não havia como eu associar uma imagem a uma voz, a uma pessoa, com algum mínimo grau de segurança, sem que nenhum elemento extra corroborasse minha escolha.

“Tenho algo mais importante para lhe passar hoje. Comece a anotar, quando eu lhe disser que deve.”

“Estou pronto”, disse eu, convicto, caneta em punho, no fundo desejando que ela tivesse orgulho de mim.

“Aquilo da reforma do Estádio foi só um aperitivo. Como eu lhe disse. O que eu vou lhe passar, a partir de hoje, é sobre algo que está em andamento. Acontecendo agora.”

Fiquei mansamente arrepiado. Em andamento… Acontecendo agora… Era uma chance absurda essa que eu tinha! Que me chegava quase do além. Na voz de uma feiticeira vingativa, cuja presença delicada e frágil parecia prestes a esvanecer-se por um gesto, entre filetes silentes de fumaça branca. Um privilégio inestimável. Nascido do nada.

“Estou pronto. Quero, sim, saber tudo”, eu, muito animadinho. “Pode seguir.”

“Um encontro só não será suficiente. Você terá que vir me ver mais vezes. Não sei até quando.”

“Sim, pode contar comigo. Não importa, venho sim.”

“Não é mais sobre uma obra terminada há quatro anos. É sobre um amplo acordo entre políticos e empresários. Políticos de todos os escalões. Empresários de todos os níveis. Uma articulação intrincada e funcional, em uma escala de podridão como nunca se viu. E isso está em andamento, como eu disse. Acontecendo agora.”

Senti que desidratava. Uma ligeira vertigem. Inclinei a cabeça sobre a mesa, toquei os papéis com a testa. Fiquei sem rumo. Absolutamente perplexo. E nem esperava que ela dissesse algo. Mas ela não quis esperar.

“Está se sentindo bem?”

Devo ter ficado quase um minuto inerte, sem conseguir fechar a boca a contento, atordoado. Não havia, de acordo com qualquer veículo de imprensa, em toda a nação, em parte alguma, o menor sinal de que se desenvolvesse algo de irregular no atual governo, do primeiro-ministro De Castro, querido pelo povo por sua determinação em punir a desonestidade e a corrupção. Respirei fundo e me aprumei, heroico.

“Estou sim. Estou aqui. Vamos em frente.”

Senti um fio de ironia por parte dela, algum ressentimento vindo do encontro anterior, pelo fato de eu ter questionado os motivos de ela prover dados de uma obra terminada há algum tempo, como fosse isso algo obsoleto e pequeno. Mas não era nada pequeno. E nada obsoleto. Era muito grande: em valores monetários, quantidade de pessoas envolvidas e também sob o aspecto político, tendo em vista o desgaste que tais acusações poderiam desencadear, pondo muita gente em pânico. Até mesmo, e principalmente, porque se tratava de um esquema encerrado, arquivado sobre si mesmo no passado, parasitando verbas públicas de uma obra já concluída, é que a divulgação daqueles dados prometia ser ainda mais impactante, abrupta e inesperada, quando os personagens atuantes já teriam consolidada sua parte, acertado seu lucro com o crime, acrescentando-o sem nenhum problema aos seus patrimônios – além de dormirem tranquilos, desde então, com a certeza reconfortante da impunidade, como se fechassem um círculo e saíssem do outro lado, limpos, seguros, ilesos. Os crimes que o governador e seus aliados, figuras públicas, empresários e religiosos, haviam arquitetado tão meticulosamente faziam pensar que, ao fim de toda a empreitada, teriam afundado em um pântano, lentamente e sem produzir bolhas, mas emergiam agora, num futuro próximo, borbulhando violentamente, para assombrá-los. Disse isso a ela: da importância de o caso todo ter esfriado e ser agora atirado ao vento devastador das mídias, que era o que eu pretendia ao rascunhar mentalmente meu texto.

“Você é livre”, ela disse, e produziu mais fumaça no espaço.

Em seguida, entrou a me informar sobre um gigantesco plano de desvio de verbas públicas, sofisticado e rico em tentáculos, partindo do envolvimento do primeiro-ministro, em pessoa, e chegando a esferas bem menores, como secretarias municipais de cidades pequenas, sob a administração de políticos aliados habilidosos. Ela expôs esse panorama muito racionalmente, de maneira genérica, como preparando uma introdução, mas só isso já me havia deixado sem piscar. Não havia uma suspeita sequer sobre a atuação do primeiro-ministro. Toda a imprensa acompanhava a rotina de seu segundo mandato, comentando eventos e o enfrentamento de baixas na economia, mas sem qualquer insinuação ou suspeita de que pudesse haver esquemas e situações clandestinas, de menor ou maior gravidade, funcionando paralelamente. Por esse claro motivo, tratava-se de informações bombásticas. E novamente eu me perguntei em segredo se estaria diante de um grande blefe ou se de fato essa mulher esclarecida, de voz agradável, trazia consigo a peste.

“Até aí, tudo bem. Entendi, de maneira geral. Você vai me passar os detalhes, a cronologia, digo, desde a primeira contratação, é isso?”

“Sim. Eu sei de tudo. Estive presente em reuniões. E vou lhe trazer cópias de fastposts e de anotações semelhantes àquelas do superfaturamento das obras do Estádio.”

Um aero policial por perto, passando bem ali, por cima daquelas quadras, com sua sirene histérica, intermitente, característica. Ela conseguia me surpreender, mesmo tendo anunciado anteriormente que me traria outras informações sobre esquemas corruptos. Porque eu não pensei, nem de longe, que fosse algo assim tão sério: um gigantesco quebra-cabeça para desviar verbas públicas, acontecendo enquanto conversávamos, enquanto transcorriam nossos dias, os dias de tantos cidadãos que trabalhavam ou lutavam por trabalho e que, de uma forma ou de outra, pagavam impostos, pagavam por tudo.

“Não se impressione tanto assim. É apenas uma novidade para você. Vamos aos poucos, parte por parte. Preciso de tempo. Preciso arranjar tudo de maneira clara, compreensível. E você precisa ser franco e me dizer se está acompanhando, se está mesmo entendendo tudo. Ouviu?”

“Ouvi. Certo. Prometo.”

Quando ela disse ter participado de reuniões, um alerta laranja assumiu o foco de minha curiosidade. Aproveitando a orientação dela, decidi ser franco desde então, sobre pontos que eu queria muito saber em primeiro lugar, antes de começar a registrar toda a extensa cronologia dos crimes continuados contra os cofres públicos.

“Preciso lhe perguntar uma coisa. Espero que possa me responder. Não me tome por um tolo, um ingênuo, um pré-jovem ou algo assim. Não quero ser visto assim por você. Tenho 32 anos e sou jornalista há nove. Você já tem minha confiança e sabe que pode contar comigo. Ou não estaria me revelando coisas tão importantes.”

“Muito bem”, ela disse, de pronto, dando como encerrada essa parte. “Vamos em frente. Anote aí…”

“Não, espere. Espere um pouco. Eu ainda não perguntei o que queria. O que quero. Se não quiser responder, está tudo bem. Mas entenda que tenho motivos para certos questionamentos, você entende, não é? Vou ser direto. Você disse que participava de reuniões. Teve e tem acesso a todas essas informações incrivelmente sigilosas. Portanto… se tudo isso for descoberto, você também terá problemas, estou certo? Então… por que está fazendo isso? Não é perigoso para você? Uma espécie de ato suicida, digamos assim?”

Eu já esperava um pesado silêncio. Uns fios de fumaça chegavam agora à minha frente, passavam e se desfaziam, deviam estar sendo tecidos enquanto eu formulava meu corajoso questionamento. Ela costumava ser rápida ao articular e expressar seus pensamentos, por isso entendi que devia estar sendo cautelosa, selecionando muito bem o que iria ou não me dizer em seguida. Poderia não dizer nada. Bem simples. Era uma opção. Eu carregaria mais interrogações comigo, sem poder forçá-la a esclarecê-las. E teria de aceitar seu silêncio, se quisesse prosseguir. Mas ela disse.

“Eu não faço parte do esquema. Nunca recebi nenhum dinheiro por isso.”

Fiquei quieto, ouvindo. O silêncio completo era meu agora. Receava interrompê-la, queria que sua fala fluísse o mais que pudesse, sem o eco de palavras de assentimento ou exclamações de minha parte, sem nada que pudesse interferir naquela sintonia fina ou trincar aquela peça abstrata, delicada e invisível, que parecia flutuar entre as mesas. Mas ela não continuou.

“Se tudo o que me diz é verdade, isso significa que você… que você também fazia parte disso. Ou faz ainda. Deve fazer parte. Estou certo?”

Silêncio. E nova ênfase na variação de uma mesma resposta.

“Faço parte de certa maneira. Não fiquei com nada para mim. Estou limpa. Ter acesso à contabilidade clandestina deles é outra história.”

“Sim, mas… isso quer dizer que… você administrou alguma coisa, participou…”

“Não se apegue a isso. Você é inteligente. O que tem a ganhar é muito mais do que importa incluir nesta conversa a compreensão detalhada de todas as funções e disfunções de cada um. Se não quiser continuar do jeito que estamos, eu desapareço.”

Foi a primeira vez que senti uma brisa de irritação em sua fala.

“Tudo bem. Me desculpe. Desculpe a minha curiosidade. Vou deixar que você conduza os seus relatos. Da maneira que preferir.”

Silêncio e outra nuvenzinha de fumaça, esta voando mais alta que as outras, como se houvesse sido soprada em direção ao teto.

“Eu só fiquei pensando em como seria a consequência para você se o esquema fosse denunciado. Em outras palavras… Quero dizer… Não é bem isso. Por que você entregaria algo de que faria parte? Seria estranho, não é? Daí a minha dúvida. Sei que você compreende isso.”

“É claro que só o fato de eu ter assessorado alguns líderes e articuladores, sem tê-los denunciado, já seria algo muito comprometedor, sim. Mas eu estou me precavendo como posso. Prevendo intercorrências. Pensando em tudo. No fim, todos nós pagaremos um preço. Uns mais, outros menos. No momento, não há risco algum. Ninguém sabe que eu estou aqui, com você. Nem o que estou planejando.”

Permaneci em silêncio, radicalmente, enquanto me ocorria de maneira disforme, sem qualquer definição razoável, que parte desse preço também acabaria sendo pago por mim. Mas não sabia como. Ela ficou calada. Esperei um pouco, e entendi que era minha vez de retomar a conversa. Sua resposta não era completa, não me satisfazia, e ainda me intrigava.

“Mesmo assim…”, comecei. “Mesmo que você não tenha se beneficiado dessa patifaria toda, eu ainda não compreendo por que quer denunciar essa gente, que conviveu com você por todos esses anos, contando com você, com a sua colaboração, a sua confiança. Que sentido tem isso? Você está sendo ameaçada?”

Essa porção breve de silêncio poderia significar que eu havia chegado ao ponto – ou que ela apenas estivesse surpresa com a pergunta.

“Você só saberá o que eu disser. Mais nada.”

“Sim, eu sei disso. Sei que não posso forçá-la a nada, entendo isso perfeitamente. Mas não me custa perguntar, já que você pode não responder. Não é? Eu ainda não entendi muito bem os seus motivos. Parece que você só tem a perder com essa delação, de acordo com meu raciocínio. Um raciocínio bem simples, admita. Seria uma crise de consciência? Remorso, sensação de culpa? Um surto de idealismo talvez…”

“Que lhe importa isso? Aproveite suas chances. Não se prenda aos meandros, aos caminhos oblíquos. Nem aos atalhos. Pense no resultado. No que terá em mãos. Todos os jornalistas do continente invejariam você, se soubessem. Disputariam, trocando socos, para estar em seu lugar agora mesmo, pode ter certeza. Lutariam na lama.”

“Espere, você está me distraindo. Considere a minha posição. Já sabe que pode confiar em mim, ou não estaríamos aqui agora. Não é? Olhe, vou lhe perguntar de novo, de outra maneira. Ou mais ou menos da mesma maneira. Só isso. E não falo mais.”

Ela devia estar avaliando minha reivindicação, que compreendia ser movida pela curiosidade, nada mais. Nada que pudesse prejudicá-la.

“Seja breve. Estamos perdendo tempo.”

“Eu quero entender os seus motivos. Mas parece que estou longe disso. Mesmo que você se arrisque a uma punição mais leve, não seria melhor, simplesmente, logicamente, não se arriscar a nada? Continuar livre e impune? Por que pretende me passar essas informações todas? Por que não deixa tudo passar, por que não deixa tudo como está?”

Já ia me esquecendo das porções suaves de fumaça que ela exalava, e aí estava outra vez uma nuvenzinha anêmica, desenhada por uns poucos fios perdidos.

“Vou lhe contar uma história. Não sei se você imagina, supõe, prevê que, em meio a articulações tão poderosas, envolvendo tanto dinheiro, aconteçam coisas sinistras. Perversas. Um empresário de porte médio, convidado por um membro do grupo, começou a participar das reuniões. Achando que seria apenas um fornecedor de peças. Não tinha sido informado que seria usado como parte do esquema fraudulento. Quando ele atinou com isso, quis saber, daquele amigo que o havia convidado, que tipo de negócio era aquele. O outro lhe explicou, por alto, do que se tratava. Mencionou os nomes de alguns líderes. E do envolvimento deles com gente muito perigosa: milicianos, religiosos, traficantes… O novato então anunciou que não participaria, que não tinha mais interesse em continuar, que estava desistindo ali mesmo.”

“Bom… E o que tem isso?”

“Ele já havia participado de uma primeira reunião. Tinha sido apresentado a diversos membros da organização. Não poderia simplesmente virar as costas e sair de cena. A partir desse evento, ele passava a ser uma ameaça ao grupo. Poderia ir à central de polícia mais próxima e acabar com tudo. Mas não, não poderia: era fácil e rotineiro, para o esquema, ameaçar alguém com a morte. Incluindo a de seus entes queridos.”

Quase engasguei com o ar. Rolos de filmes antigos de mafiosos iluminaram-se num instante em minha memória.

“O que… aconteceu com ele?”

“Mudou-se com a família para outro país do Mundo Livre. Deixou tudo o que tinha aqui. Exilou-se por conta própria.”

“Entendi. Uma situação difícil, de qualquer forma. E foi por isso que você… ? Ele era seu amigo? Você o conhecia?”

“Não.”

“Desculpe, mas seria essa a sua motivação? Um episódio, digamos, pequeno como esse? Não seria o caso de…”

“Escute. Escute com atenção. Uma jovem funcionária, lotada no gabinete de um deputado estadual da Bahia, estava pronta a denunciá-lo por assédio sexual. Ela havia chegado ao limite, com as investidas dele. Como pessoa de confiança do deputado, ela também sabia do seu envolvimento com esse mesmo esquema produtivo, rentável, essa orgia com o dinheiro público. Sabia os nomes dos contatos mais próximos. Já havia atendido alguns deles. Conhecia pessoalmente alguns representantes daquele segmento do tentáculo, bem instalado no gabinete de seu empregador. Então, ela o chantageou: queria algo em troca, é claro, para continuar de bico calado. E desapareceu. Seu corpo foi encontrado oito dias depois, devolvido pelo mar à costa litorânea, em Ilhéus. Bastante deteriorado. Olhos comidos por peixes.”

Ajustei os óculos.

“Eu me lembro desse caso. Não faz muito tempo. Acompanhei essa matéria.”

“Não mesmo. Foi há dois anos, pouco menos. Para os articuladores do sumiço de alguém, não se trata de uma vida que termina, um corpo que entra em colapso, mas de uma informação que se arquiva.”

Procurei manter minha imparcialidade, minha indiferença. Eu era, continuava sendo, um profissional. Tinha de ser.

“Faz sentido. Lembro que uns autores de facultativas insistiram na versão simplória do suicídio.”

“E inventaram uma biografia deplorável para ela. Nunca foi descoberta a identidade do assassino. Sem pistas. Sem chances.”

“O caso foi arquivado, eu lembro, por falta de evidências. Não tinham nada, realmente. O laudo necroscópico atestou que ela tinha marcas de violência no crânio e sinais de que havia sido estrangulada. Mas a polícia…”

“As facs tiveram um papel decisivo para encerrar o assunto. Saiu do foco. Perdeu o interesse.”

“Sim, é isso mesmo. Dependendo do caso, as facultativas têm mesmo esse poder, de consolidar o esquecimento. E você… sabe quem foi?”

“Não. Mas é certo que a execução da garota foi a mando do deputado. Difícil propor alguma outra hipótese, não acha? Muitos deles contratam assassinos profissionais, sem nenhum problema. Eles se conhecem, os políticos e os assassinos, um indica ao outro este ou aquele, como se passasse o contato de um prestador de serviços qualquer. Acredite, acontecem coisas terríveis nesse meio. A ideia é, essencialmente, a mesma: fidelidade total. Ausência de ética, de escrúpulos. Fins muito acima dos meios. Atos de vingança exemplares. E outros procedimentos na mesma linha. O crime é a base de tudo, a plataforma. O gerador das fortunas.”

Ela estava animada a falar. Era tudo que eu queria. Mas ainda não havia respondido à minha pergunta. E eu não pretendia me esquecer disso, enquanto ela fazia desfilar episódios curiosos, instigantes, dramáticos, pondo-me a girar no carrossel que ela própria controlava, com a mão na chave de um grande disjuntor à moda antiga.

“Que loucura. Parece que a Lei não os alcança mesmo.”

Fumaça branca. Vontade de fumar também. Mas não valia a pena interromper ou desviar a conversa por causa disso.

“Nesses últimos anos, conforme o esquema crescia e envolvia mais gente, ameaças, chantagens e acordos sombrios também cresceram. E se tornaram comuns. Para impedir que qualquer dos pilares desmorone, não custa nada eliminar um ou outro infiel. Uma jovem secretária assediada não poderia pôr tudo em risco. E não seria confiável apenas tentar fazer acordos com ela, nunca há garantias reais nesse tipo de coisa. De vez em quando (eu ficava sabendo por outros), as ameaças se estendiam a famílias de baixa renda, usadas como peças intermediárias. E a pequenos comerciantes, cujos estabelecimentos serviam de fachada para a lavagem do dinheiro sujo. Gente simples, pessoas sem estudo, que não poderiam visualizar a dimensão da engrenagem que as continha. Ou as mentes brilhantes que punham a funcionar toda essa maravilha.”

Girei a caneta entre os dedos.

“Então, como eu arrisquei, trata-se de uma crise de culpa. A visão de tanta injustiça, dessa impunidade toda, foi isso que levou você a tomar essa decisão, não foi?”

“Não. Eu não me importo com quem cai, com quem morre. Faz parte do jogo. E quem entra no esquema deve saber dos riscos. Que se cuidem. Não tenho nada com isso.”

“Mas… você acabou de falar das pessoas mais vulneráveis, que não poderiam simplesmente ‘entrar no jogo’. Não como entra um grande empresário experiente ou um politico manipulador, de maneira intencional. Falou do médio empresário. Falou da secretária assediada…”

Nenhuma resposta. Pelo menos, ela não se mostrava mais irritada comigo, como pensei ter percebido há pouco. Sempre um mesmo autocontrole, com variações na ênfase, na entonação de como conduzia seu discurso. Mesmo quando ela dizia algo como: “Não faça isso.”, não levantava a voz acima do usual. Por isso mesmo, eu insistia naquele ponto de minha dúvida, sentindo-me um pouco mais à vontade para confrontá-la. E o resultado vinha sendo animador, já que ela se dispunha, ainda que com a intenção de me distrair, a revelar casos e situações que eu desconhecia – que praticamente todos, aliás, desconheciam. Eu a estava encurralando, por força de sua vontade de falar, de se justificar, de triunfar com a palavra final. Eu não havia desistido da resposta que buscava. Todo aquele rodeio que ela tecia como uma aranha ardilosa não respondia ao que eu mais queria saber. Não só isso, como dava sinais de que sua real motivação não se firmava sobre nenhuma daquelas narrativas, por mais interessantes ou bizarras que fossem. Ela poderia ter ficado quieta de vez e voltar a conduzir as explanações, do jeito que bem entendesse, pois nada a obrigava a revelar-se, a explicar-se a mim. Então, enquanto eu aguardava, atento, uma brecha para voltar a questioná-la, ela disparou um torpedo.

“Eu fui amante do primeiro-ministro.”

Subi um pouco os óculos pelo nariz, com um dedo. Minha boca não se fechava.

“O quê?!”

“Você ouviu. Fui amante do De Castro. Não sou mais.”

Não, não era como se eu pressentisse o clarão que acende um cigarro: era como se fogos de artifício espocassem dentro de minha cabeça, ruidosos mas sem alegria, a surpresa se mesclando ao medo, ao risco crescente de algo inominável. Mas eu não tinha medo! Então, o que estava me acontecendo? Como da outra vez, quando eu sentia desidratar, algo parecido, debilitante e gelado, quase me derrubava da cadeira agora.

“Você então… A senhora… Eu…”

“Vamos ao que interessa. Está ficando tarde.”

“O que interessa? Desculpe, mas… Podemos continuar outro dia? Eu não estou bem. Eu não estou…”

“Por que isso? O que está sentindo?”

“Alguma fraqueza e… Talvez uma baixa de pressão…”

“Não é nada. Tente se acalmar. Quer um cigarro?”

“Bom, eu… Acho que isso pode ajudar.”

“Tome um desses”, atirou-me o maço de Malpro. Por um triz, por um microssegundo, pensei ter visto sua mão, iluminada pela luz fraca que ia até o limite simétrico do recorte de paredes. Mas não tinha certeza. Sentia tontura. Meus olhos tinham instantes de cegueira e de brilho de luzes minúsculas que faiscavam mansas, por dentro. Acendi o cigarro. Tentei me acalmar. Malpro. Era bem diferente dos meus Green Forest. Forte. Tóxico. Delicioso.

“Vamos em frente. Anote aí…”

“Não”, eu a interrompi, quase gritando. “Não posso fazer isso agora. Desculpe. Prometo voltar aqui na próxima segunda-feira, como combinado. Vamos continuar depois, por favor.” Soltei uma nuvenzinha de fumaça com o prazer de estar sendo medicado. “Preciso de tempo. Entenda isso. Confie em mim.”

“Certo. Eu compreendo. Quer ouvir um pouco mais dessa história? Talvez lhe seja útil.”

Claro que sim. Mas é claro que sim! Ela parecia mais calma também, e acabava de soprar à frente outra de suas delicadas teias de fumaça no espaço. Eu ali, após um dia de trabalho, na penumbra de um local isolado do mundo, sentindo-me debilitado, pressentindo o perigo ainda vago de me envolver com algo tão absurdo e poderoso, puxei outra tragada daquele cigarro intenso, aromático, nutritivo, que me fazia lembrar de grandes armazéns com cheiro de queijo, frutas cítricas, açúcar e sabão rançoso, perdidos em minha infância. Por quê? Eu nunca soube. Fumar daquela maneira, com calma e sem medo, impregnava-me de um prazer especial e intransferível. Ela queria me contar algo mais. Queria falar de si mesma. Eu estava no paraíso.

“Não, não fui ameaçada. Continuei no centro nervoso da engrenagem toda.”

Ela esclareceu que havia sido amante do De Castro por mais de um ano, perto de um ano e meio. O primeiro-ministro é inteiramente calvo, tem um rosto másculo, de simetria agradável. Em seus discursos e em sua comunicação com a imprensa, ele irradia inteligência, bom gosto, simpatia. É muito difícil, até para os adversários políticos dele, não levar em conta seu extraordinário talento no trato com as pessoas, influenciando-as diretamente com arrepios positivos de energia motivadora. E ela havia se apaixonado por esse dínamo de autoconfiança e radiação benigna.

“Você sabe, ele é carismático. Sedutor. Não é nada difícil uma mulher se sentir atraída por ele. E eu fui uma delas. Não vou contar como começou, não é importante. Em meio a certas amenidades e pequenas ousadias, percebi que eu não resistiria por muito tempo. E acabei envolvida. Tornei-me sua amante. Fascinada, apaixonada. E não só isso: eu era uma pessoa de extrema confiança. A confessora perfeita. A quem ele podia delegar tarefas sem se preocupar com os resultados. Eu fui o seu braço direito, quase sua vice. Por isso, ele me franqueava acesso a tantas e tão importantes informações. De certa forma, eu colaborei com esses esquemas fraudulentos, claro que sim. Organizando, atualizando. Mantendo ou substituindo contatos. Ajudei a administrar. Não ganhei dinheiro. Mas ganhei presentes. Presentes caros. Vestidos e sapatos de grife. Joias. Só que ele me daria esses agrados do mesmo jeito. Resumindo, fui fiel.”

Ela havia terminado um relacionamento de quatro anos (morava com seu namorado), pouco antes desse envolvimento com o homem mais poderoso da nação. Disse que nunca soube com certeza se a esposa do primeiro-ministro tinha conhecimento dessa relação paralela ao casamento, ou mesmo de outros casos mais breves, de teor apenas imediatista e carnal, em viagens ou sem sair da cidade, realizando-se em divisões convenientes do gabinete no Palácio da Liberdade ou em suítes de motéis luxuosos da capital. Se  a primeira-dama sabia, não demonstrava. Podia ser mesmo um casamento arranjado, isso é muito comum nesse universo de acordos e interesses mútuos. Tudo podia transcorrer sem problemas quanto a isso. E quanto aos possíveis envolvimentos extraconjugais, nada que não se pudesse resolver facilmente com algum dinheiro, evitando os riscos indesejáveis de um escândalo.

“Você sabia sobre essas outras, essas… temporárias?”

“Não. Isso estava fora de meu alcance. Eu não tinha como saber tudo. Enquanto ele esteve comigo, suponho que deva ter diminuído muito sua atuação com outras mulheres, digamos, avulsas. Fora isso, ele era, e ainda é, um reincidente predador sexual. Um exemplar dessa genética de ancestralidade que, dependendo do meio propício, prospera e se manifesta sem entraves. Exercitando-se continuamente. Reafirmando essa linhagem de gentis predadores. Você não sabe pelo que passei. Como mulher, digo.”

Exalei um pouco mais das substâncias tóxicas e reconfortantes do Malpro.

“Imagino. Ou… talvez não.”

“Eu me submeti a muitos de seus caprichos, como se também eu estivesse aprendendo algo novo, que me servisse. Uma ilusão, apenas. Ele me amava, à sua maneira. Me admirava. Sabia que eu não era uma qualquer. Quando me lembro dos momentos de intenso erotismo que compartilhamos, em comparação a outros tantos momentos em que ele apenas me agradou, me elogiou, me confessou intimidades pessoais e também dos círculos do poder, compreendo que sua atração por mim era movida por mais elementos. Algo mais do que os prazeres conhecidos do sexo. Ele nem precisava ter ficado comigo por tanto tempo. Eu sentia que ele me desejava sinceramente. Que me queria junto dele. Contava com minha inteligência, era algo que o satisfazia de alguma maneira, que o gratificava. Ele se abria comigo com a certeza de ter uma parceira à altura. Tínhamos (temos) muitas afinidades e uma notável sintonia com relação a muitas coisas. Em outras circunstâncias, poderíamos ter sido o que chamam o casal do século.”

Fez uma pausa, soprou mais de seu cigarro. Fiquei atento a qualquer mínima diferença na entonação de sua voz, tentando identificar algum sinal de emoção que emergisse em meio ao fluxo de suas palavras. Nada.

“Uma relação assim, clandestina, envolvendo um cara tão poderoso, não poderia mesmo durar muito tempo, não é?”

“Não. Poderia sim. Quando se consegue administrar um segredo, uma determinada situação pode durar sempre.”

“Então… O que aconteceu?”

“Ele conheceu outra. E de repente, da noite para o dia (isso mesmo: de uma noite secreta de sexo para um dia claro de trabalho), revelou ter se cansado de mim. Algo que eu não percebi até o último momento. Claro, ele sabe muito bem fingir. É um mestre nisso. E eu continuava fascinada com tudo o que estava vivendo. Isso me entorpecia um pouco, baixava minha guarda. Confundia os sinais de alerta. Amortecia meu senso de observação.”

Sua voz linda parecia estar narrando sequências de um filme em que a personagem conta de sua vida enquanto se desenvolvem outras imagens – e o que vemos são ruas, ambientes, veículos, pessoas e a chuva oblíqua.

“Você não percebe que ele está jogando xadrez com você até ele derrubar sua rainha. Ele me humilhou. Mostrou o pior de seu caráter. Deve ter pensado que, me esmagando daquele jeito, eu ficaria acabada. Destruída. Pensasse em suicídio. E desejasse sair, o quanto antes, de sua vida. Em todo aquele tempo, observe, ele não me conheceu a fundo.”

“É. Parece que não mesmo. Suponho que isso tenha sido há pouco tempo. Foi?”

“Sim, há pouco tempo. O bastante para eu me refazer. E agir. Agora eu cogitava também o risco de ser morta. Nesse meio e com essa engrenagem em franco funcionamento, isso não é tão estranho. Não havia nenhum sinal de eu estar sendo vigiada. Mas isso costuma ser o pior: quando não há sinais. O perigo é o mesmo.”

Esses perigos, pensei, enquanto fumava e fingia estar absorvendo tranquilamente aquele tapete de bombas, podem chegar até mim. De alguma maneira. Não sei como. Se eu levar isso adiante, como já tenho decidido em mim mesmo.

“Ele também se cegou, por conta daquela sua autoconfiança invencível. Cometeu o erro básico de deixar para trás uma aliada ofendida, no meio da estrada. Uma ave ferida. Ressentida, arruinada. Que ele previu não pudesse mais erguer-se do chão. Não pudesse mais voar.” Senti um arrepio de alegria e de fascínio. Podia ver seus olhos se estreitando, transtornados pela coragem. E sua inteligência, acima do normal, assumindo o poder, superando com energia qualquer expectativa alheia quanto à sua derrota. Ficava clara sua motivação, e não poderia ser mais justa. Uma mulher traída, com a capacidade dela, com seu potencial de articulação e clareza de pensamento, com a habilidade de uma brilhante enxadrista, poderia desencadear o fim do mundo. Agora ela vinha a lume. Vinha à noite e às primeiras horas do dia, vinha às trevas. Vinha até mim, para lançar seu contra-ataque calculado e descomunal.

“O primeiro-ministro é muito querido, como você sabe. Pensei em iniciar um processo de assédio contra ele. Mas foi tudo consensual. E por muito tempo. Eu não estaria sendo honesta. Poderia, no entanto, ajudar várias outras mulheres que de fato foram assediadas. Coagidas, ameaçadas. Abusadas por ele. Poderia procurá-las e encontrá-las facilmente. Mas então pensei em algo mais abrangente. Que, ao atingir o topo da montanha, já a fizesse desmoronar sobre todas as encostas menores. Então, pensei em outra coisa. Quero outra coisa agora.”

Eu aguardava com ansiedade o desfecho de seu discurso, as palavras que já adivinhava arranhando e mordendo o ar ao nosso redor.

“E seria…”

“Eu quero derrubar a República.”

Tossi duas vezes. Meu cigarro acabou. Meus óculos desciam pelo nariz, com o suor. De novo, sentia alterações na pressão sanguínea.

“Como é?”

“Quero o fim do De Castro. Quero a ruína desse canalha. E de todos eles. De toda a quadrilha. Quero o país do avesso. Quero o escândalo total.”

Surpreendentemente, ela disse isso e as frases seguintes sem exaltação, sem elevar a voz. Com a mesma sobriedade costumeira, como se dissesse que queria voltar a ler ficção ou começar uma dieta.

“Eu lhe contei o que quis. Falei porque quis. Sei que você não irá sair espalhando isso por aí. Nem tanto pela confiança que tenho em você, mas porque seria inacreditável. Você passaria vergonha. E arriscaria sua credibilidade como profissional.”

“Não, claro que não, fique tranquila. De jeito nenhum. Fica tudo entre nós. Tudo.”

A fumaça de seu cigarro parecia querer acariciar-me, passando-me à frente dos olhos.

“Quando isso tudo vier ao conhecimento de todos”, ela disse, “nenhuma facultativa será suficiente para amortecer o choque ou reverter a reação em cadeia.”

Eu sabia que nosso país contava com brilhantes redatores de facs, por isso concordei, embora não muito convicto.

“Também acho.”

“O escândalo será gigantesco. Nenhuma fac será suficiente.”

Compreendi que estava em franca sintonia com ela. Não queria ir embora dali. Considerei que todo o impacto das novidades já havia passado e sido assimilado por mim. Que não haveria nada mais surpreendente do que aquilo. Sentia-me mais relaxado, calmo e lúcido. Enquanto um dínamo desconhecido, com a noite girando para mais um dia, impulsionava surdamente o vermelho vivo de meu sangue.

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