Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 37

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Na solidão da rua delimitada pelo muro da velha fábrica, subi os dois degraus da frente e empurrei devagar a porta de vidro do Café Silene, como já me habituara a fazer. Dessa vez, levava comigo a pasta cinza-clara trazida de minha cidade, do escritório de meu pai. Uma parte de mim se sentia como um menino na escola, orgulhoso de sua disciplina e de sua organização, com sua pastinha nova, que era velha, assim como o menino velho se fazia novo.

“Boa noite”, disse eu quase feliz.

O silêncio ali era bem conhecido. Bastava uns segundos de suspense para que eu logo ouvisse de volta uma voz bonita me cumprimentando e querendo saber sobre cigarros. Mas nem esses segundos se passaram, pois logo vi, sobre a minha mesa, um papel preso por fita adesiva ordinária, em dois pontos mínimos, nos ângulos retos da parte superior, pronto a ser destacado com facilidade.

Um imprevisto. Vá embora. Não use o personal para falar comigo. Aguarde meu contato. Leve este papel, suma com ele.

Ainda de pé, com o papel na mão, atravessado por uma espécie de calafrio desagradável, sentindo acumular eletricidade até as pontas dos cabelos por causa do clima seco, girei rapidamente meus olhos por todo o espaço ali, um instinto de autoproteção talvez, mas infundado, pois o silêncio era espesso, e não havia nenhum sinal de que alguma coisa parecesse diferente do  esperado.

“Você está aí?”, sussurrei muito cauteloso.

Iluminei com o personal o lugar onde ela costumava ficar. Tudo em ordem. Só uma mesa com cadeiras, nem mesmo um cinzeiro esquecido ali. Na mesma hora, amarrotei o papel entre os dedos, guardei-o desastradamente no bolso da calça, o que tomou uma fração de segundo, ao mesmo tempo em que saía de lá o mais rápido possível.

Tão logo desci os degraus da entrada, chamei um aero, que não demorou a chegar. Apesar disso, aqueles poucos minutos em frente à cafeteria (eu saí andando, olhando para todo lado, evitando ficar parado no mesmo lugar), escurecidos pela solidão da hora e agitados por ruídos avulsos de gatos que corriam por perto, pareceram pesar sobre mim como um manto opressivo, caindo invisível e se distribuindo por meu sangue.

O aero me deixou à porta de casa, em frente ao edifício. Mesmo assim, entrei e tomei o elevador com o máximo cuidado, em estado de alerta, atento a tudo. Àquela hora, não havia ninguém circulando pelo pequeno saguão de entrada nem pelos corredores dos pavimentos, e não tínhamos porteiro noturno. Mas eu não queria subestimar o minuto seguinte. Imaginei uma emboscada. Não haveria testemunhas: eu estaria sozinho. A luz da sala se acendeu quando entrei. Sistema elétrico funcionando com perfeição. Dei um passo à frente, apenas, e não pude evitar perscrutar tudo ao redor, com desconfiança. Não houve nada. Não havia nada. Joguei a pasta e minhas chaves sobre a mesinha de centro. Desamassei o papel, li mais uma vez o recado arrepiante, que me havia assustado e não sem razão, dadas as circunstâncias. Era a letra dela. Sua escrita era harmoniosa, admirável. Letras, sílabas, palavras distribuindo-se em uma mesma proporção ao longo das linhas. E essas linhas seguiam perfeitamente na horizontal, sem ondulações, nem mesmo mínimas, fazendo subir ou descer as frases, como acontecia comigo. Olhei de mais perto: não havia qualquer sinal de linhas traçadas a lápis que pudessem orientar o curso daquela escrita, nada parecido. Com aquele pequeno pedaço de papel amarrotado na mão, inferi que poderia conseguir o DNA da autora, tendo aquela peça de evidência em meu poder, o que era absurdo: na prática, eu não tinha como fazer nada disso.

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