Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 45

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Com seu rosto sorridente na tela do GP, a Clarissa falava conosco, de seu apartamento do outro lado do Atlântico. Clapton passou à frente da imagem dela, rabo erguido, desceu do outro lado. Ela riu e pediu desculpas por ele. Quando se mudara para Portugal, os gatos foram com ela, atendendo a uma série de protocolos que previam o transporte dos animais sob efeito de anestésicos, além de carteiras de vacinação atualizadas e outros trâmites menores. Os pets adormecem em um país e despertam em outro. Desde que não haja mudanças drásticas de temperatura, não importa nada, a um gato, estar aqui ou ali, em qualquer parte do mundo.

“Tem visto a mãe?”, perguntou à Cleo.

“Não. Quase nada. E você, tem falado com ela?”

“Ah, você sabe que eu não suporto falar com ela. Quanto menos, melhor.”

“Sei.”

“E então, quando é que vocês vão sair de férias e visitar Lisboa?”, disse a Clarissa sorrindo, enquanto afastava Harrison, que também queria saber o que estava gerando aquela falação, e sumiu da tela ao se curvar, para devolvê-lo ao chão.

“Clarissa, eu não tenho nem um ano na redação. Férias agora, nem pensar.”

“Eu só perguntei.”

“Quem sabe o Edison libera alguma grana para fazermos uma matéria aí em Portugal”, brinquei.

A Cleo me beijou no rosto, sorriu. “Não seria o máximo?”

Eu tentava parecer bem-humorado e leve, mas no fundo sentia que alguma tensão se acumulava em meu sangue. Depois da morte do Fução e do flagrante com aquele rapaz de jaqueta azul-escura, rosto magro e sóbrio de um soldado de algum país frio, eu vinha pensando em tudo com mais frequência, com mais cautela e com mais imprevisibilidade. Toda noite, voltava a esquadrinhar as fotos das mulheres em meu escritório, tendo agora apenas quatro como centro de minha suspeita e de minha atenção. Pensava em possibilidades sinistras. Considerava parar enquanto não fosse tarde demais. Mas já estava muito envolvido com a ideia de denunciar grandes criminosos, tinha um dossiê quase completo em mãos, e o que me acontecia agora era ainda decorrente do primeiro tópico sobre o Estádio. Enquanto via a Clarissa, com seu sorriso de Cleo clonada, falando e gesticulando, fixava com carinho seus olhos bonitos e imaginava que Portugal seria uma tentadora opção para quem planeja deixar o país, recomeçar a vida, ficar imune a ameaças talvez, tendo comigo minha companheira sensível e dedicada, traços infantis de menina mentirosa, adorável guardadora de livros impressos.

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