Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 5

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Fomos a pé até o Prime Time. Três quadras da redação, mais duas árvores virando à direita – esse último trecho é quase insignificante para quem caminha, só a conta de nos desviar da rua principal e nos conduzir a outro ambiente, rua de calçamento antigo e menos movimentada que suas parentes próximas, com nomes de poetas antigos, a partir da esquina. Quatro mesas de sinuca, paralelas, um salão em forma de L, uma sequência de mesas aconchegantes, emolduradas por sofazinhos vermelhos pegados à parede, sob a melhor penumbra possível, começando pelo recorte esquerdo, logo após o final do longo balcão principal, e uma aglomeração de outras, mais apropriadas para uns caras como nós, distribuídas no espaço coletivo, formando um conjunto mais ou menos regular, remetendo às simetrias dos arranjos próprios a algum jantar dançante. (Dois anos atrás, eu tinha conhecido uma garota bem ali, sentada ao balcão, a Alexandra; chegamos a namorar por um mês e meio, até ela se cansar de mim. Assim conheci também a Tracy, sua amiguinha felina, que, com o tempo, passou a gostar mais de mim do que a Alex). Antes que se fechasse a extensão desse balcão lateral, abria-se uma parede estreita, ostentando quadrinhos com fotos de celebridades que teriam passado por ali. Infelizmente, muitas delas eram gente da política. Outra coisa: alguém me contou certa vez que boa parte daquelas fotos expostas no Prime eram cuidadosamente fraudadas.

Nessa noite, não queríamos mesas: íamos jogar. Pedir long-necks. Ficar andando à toa no estreito entre as mesas de sinuca, entre o balcão e o degrau que abre o espaço do salão em L, enfim, o salão todo a partir dali.

“O que vai hoje, meninos?”, a atendente passando, mulher troncuda e valente, rosto afogueado, voltando do salão maior e assim economizando viagens.

“Cervejinha, Marco?”

“Gosto da Tincobell. E você?”

“Prefiro a Morgana. Pielsen. Pode ser?”

“Claro. Sem problema. Te acompanho.”

Perto das mesas de jogos, o ar parecia azulado. Com três tacadas, dois goles e uns passos indecisos, indo e vindo, em torno da larga mesa de feltro vermelho em que jogávamos, ele começou a me contar sobre sua situação continuada com a amante, que, nessa fase da vida, o encantava cada vez mais, contrastando com o desinteresse, velado mas real, de sua esposa em relação a ele.

“São dois mundos diferentes. É bem complicado isso tudo”, desabafou.

Ele também passa o giz na ponta do taco levemente, sem pressionar muito, sem produzir aqueles microfarelos que sujam a moldura das mesas e até o chão, como fazem os iniciantes.

“Fico pensando em contar tudo, sabe?” Curvado com precisão, deslizava a ponta do taco sobre o extremo da mão esquerda, com paciência e concentração. “Deixar tudo às claras de uma vez, sei lá. Dar um rumo na vida.”

Seguiu-se uma tacada irritada, que não poderia mesmo lograr um bom resultado: a bola branca quase passou por todas, tocando uma delas por mero golpe de sorte. Puxou outro cigarro do bolso. O Prime Time é, por natureza, um local meio escurecido, mais escurecido nos sofazinhos laterais, menos nas mesas da maior parte do salão e mais bem iluminado ao redor das mesas de jogos. Fios de fumaça branca passeavam por toda parte, por vezes formando verdadeiras manchas onduladas, perdidas no espaço.

“Meu querido rei Arthur, você deve imaginar que eu sou o pior conselheiro sentimental num raio de muitos quilômetros.”

Acertei uma bola em linha reta, direto na caçapa: nem tocou a proteção metálica.

“Imagino mesmo. Não precisa me aconselhar nada, nem quero. Enquanto a gente joga, vai vendo que coisa complicada que é a vida: as coisas vão acontecendo e deixam a gente nesses dilemas aí.”

“É isso, meu amigo. E parece que não podemos mesmo dizer a verdade: temos que guardar segredos, para o nosso próprio bem.”

Fiz a volta à mesa, observando as bolas que estariam em boas posições para ele.

“Podemos sim”, ele rebateu. Deu sua tacada. A bola não entrou. Ricocheteou rápida, vibrante, à frente da caçapa, depois saiu tranquila, com um resto de força inercial, passeando sossegada sobre o feltro macio, como se dissesse, de olhos fechados: “Os teus dilemas pouco me importam.”.

“Dizer a verdade, não dizer… O problema é que ninguém se importa. As coisas andam de um jeito ou de outro, giram com o mundo, vão acontecendo. Estou pensando em assumir isso de uma vez, está cada vez mais difícil ficar sem ela.”

“Sem ela…? A outra, certo?”

Ele não gostou do jeito como me referi à sua paixão principal. Deu uma tacada mais forte, meio violenta, o taco subiu em sua mão em seguida, como se quisesse ir embora dali o quanto antes, pelo teto.

 “É… A outra, sim! Você acha que devo contar tudo e acabar com isso? O que você faria?”

“Ah, não sei, sei lá, você é que tem que pensar nisso, eu não, eu nem saberia o que fazer numa situação que não estou vivendo, é muita coisa em jogo, que só você sabe, desde o cheirinho da pele dessa moça até o mau humor da sua esposa, tudo conta, mas só você sabe do que conta, não conta… Enfim: foda-se.”

“Certo, seu canalha, muito obrigado pela opinião construtiva, sensata…” Finalmente acertou uma bola, ruidosamente, tocada por outra, mas era a de seu jogo: matou sua própria bola, por engano. “E você, Marquim? Sem namorada ainda?”

“Sem. Tranquilo. Não quero saber disso agora. Quanto menos compromissos, melhor.”

Aproveitando o resto da jogada desastrosa dele, encaçapei facilmente mais uma. Eu estava ganhando a partida, e isso não era bom. Ele precisava de mim. Na jogada imediatamente seguinte, errei uma bola de propósito. De onde eu estava, via o Arthur escurecido lateralmente, como dividido ao meio entre um foco de luz forte e uma escuridão consistente, as duas incidências desenhando-lhe o rosto e o resto do corpo de maneira quase precisa – sim, porque penso na escuridão também como um fator incidental, o que os professores de ciências podem facilmente corrigir, o que também em nada altera minha impressão particular das coisas. Umas nuvenzinhas de fumaça flutuavam lentas, vindas de qualquer parte, de leste e de oeste, como se não houvesse nenhuma corrente de ar principal que pudesse canalizá-las de maneira previsível.

“Tem chamado suas amiguinhas?” Fez a volta à mesa, sem tirar os olhos de uma bola que lhe interessava de longe. Eu torcia para que ele acertasse dessa vez.

“Tenho. Mas ando sem grana pra ficar fazendo isso sempre. As eventuais estão cobrando cada vez mais caro, sabia?”

“É mesmo? Por que será? Vou ler sobre isso, pode render uma matéria.”

Pensei automaticamente na Rose e em seu corpinho rígido e manipulável, a garota a quem eu vinha me apegando particularmente: de uns dois ou três meses até então, era a única eventual que eu contratava. Tinha perdido o interesse nas outras suas colegas, que conhecera anteriormente e que também eram profissionais à altura, com mínimas críticas de minha parte. Por algum motivo que não me importava muito saber, a Rose era quem ocupava minhas fantasias, minha necessidade de companhia, e tinha se tornado o centro de minhas expectativas imediatas em relação a sexo.

A garçonete quarentona, energética e intrépida, passando.

“Tudo certo aí, meninos?”

O Arthur, ágil, para que ela não lhe escapasse, erguendo a long-neck em público.

“Ô docinho! Vê mais duas Morganas pra nós aqui! Pielsen!”

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