Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 43

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

No dia seguinte, na redação, tentei, ao máximo, manter minha neutralidade, fingir minha indiferença em relação a qualquer possível questão pessoal que me abatia lá fora. Não era difícil passar despercebido por colegas com quem só trocava uma ou outra palavra. Mas a Cleo eu não conseguia enganar.

“Me conta o que aconteceu.”

“Não aconteceu nada. Estou cansado, fiquei lendo até tarde, depois tive insônia.”

“Por que não ficou em home office hoje?”

“Porque não pensei nisso a tempo. Agora, estou aqui.”

Falamos de outras coisas. Combinamos encontros. Isso pareceu tê-la convencido de que eu estava sendo sincero quanto à minha insônia.

Fomos almoçar em um dos self-services que se distribuíam ali por perto, nos arredores da Praça Galileu. Conforme o combinado, não deixávamos à vista nosso envolvimento: agíamos como colegas, apenas, caminhando sem revelar sinais de intimidade, nem abraçados nem de mãos dadas, particularmente nessa região próxima à Facto, que vários de nossos colegas costumavam frequentar também. Nesse dia, soprava um vento seco e frio, por vezes com certa continuidade, como se estivesse sendo canalizado por aquele trecho da rua, bloqueado por edifícios dos dois lados, e os cabelos da Cleo se agitavam com isso. Cada vez que algo assim acontecia, havia uma esperança geral de que as chuvas chegassem logo, fechando o longo ciclo de estiagem e baixa umidade do ar que nesse ano se estendia mais do que o normal. Mas as previsões contradiziam tais expectativas – e costumavam estar certas. Enquanto andávamos, por causa de meus novos hábitos, minha atenção voltada a qualquer coisa minimamente suspeita, como girar a cabeça para os lados, às vezes para trás, de quando em quando, sem alarde e sem que a própria Cleo percebesse algo de estranho, tive a impressão de que um rapaz de jaqueta azul-escura seguia pelo mesmo caminho que nós. Ele usava a cabeça raspada, parte superior cortada rente, um estilo semelhante ao do Arthur. Mais pessoas faziam o mesmo percurso, mesmo lado da calçada, outras percorriam o trecho em sentido oposto, como rotineiramente ocorrem tais fluxos. Diminuí o passo enquanto distraía a Cleo com alguma conversa. Com isso, observei que a maioria dos transeuntes, em seu ritmo normal, ia passando por nós, previsivelmente. Porém, o rapaz de cabelos curtos conservava a mesma distância, pouco atrás: diminuíra o passo também. Isso me inquietou, me irritou, despertou em mim um ímpeto agressivo de querer falar com ele. Peguei a Cleo pelo braço e dobrei, de repente, a esquina.

“Que foi?”

“Me lembrei de uma coisa. Vem comigo.”

Eu não tinha ideia nenhuma do que lhe dizer em seguida. Ela apenas me acompanhou, interrogativa, e eu então resolvi contar de uma vez que tinha a impressão de estarmos sendo seguidos.

“Como assim?”

Como se costuma proceder nesses casos, aconselhei que ela não olhasse no momento, mas que depois encontrasse um jeito de se voltar, sem alarde. Descrevi o rapaz de jaqueta escura, que acabava de virar a esquina, em nosso rastro. Pedi à Cleo, em voz baixa, que caminhasse um pouco mais comigo, até o fim daquela quadra, e me acompanhasse, independente do que eu fizesse. Parei de andar, tirei o personal do bolso, toquei sua tela, como se tivesse me lembrado de alguma coisa, então enlacei minha companheira pelo braço, forçando-a a voltar comigo pelo mesmo caminho. O rapaz cruzou conosco de cabeça baixa, alheio e apressado dessa vez.

“Não é estranho?”, falei, olhando rapidamente para trás, para ele, que se distanciava.

“Não sei. Por que seria? Muita gente andando pra todo lado. E daí? Pode não ser nada. Não andamos com nada de muito valor, não é? E estas ruas aqui não têm esse histórico de assaltos como em tantas outras partes da cidade.”

“Tudo bem. Vamos voltar.”

Mesmo assim, eu não conseguia deixar de observar, da maneira como podia, qualquer pessoa que parecesse se harmonizar com o ritmo de nossos passos, logo atrás de nós. Estávamos bem próximos da entrada do self-service quando, lançando um olhar quase despretensioso ao redor, identifiquei o mesmo rapaz, andando calmo em nossa direção, talvez a uns trinta metros de nós. Imediatamente, eu me desloquei a passos rápidos até ele, como forçando uma rota de colisão.

“Ei!”

Esse rapaz, esbelto mas aparentando boa forma física, girou sobre si mesmo com agilidade e disparou a correr. A partir desse momento, não havia como eu voltar atrás: lancei-me a correr também, buscando alcançá-lo, repetindo coisas gritantes, como “Ei! Espere aí! Volte aqui!”, enquanto ouvia a voz da Cleo cada vez mais distante: “Marco!”. Em duas quadras, eu o perdi. De alguma maneira, ele se misturou aos tantos e tantos habitantes do horário de almoço, sem que eu me desse conta de como ele havia feito isso. Parei, suado, arfando um pouco. Voltei ao self-service. Na esquina anterior ao restaurante, a Cleo me esperava, confusa e um pouco assustada.

“Que foi isso, Marco?”, apertando meu braço, perto do ombro, e olhando-me de frente. “Que história é essa? O que deu em você? Achou que fosse um bandido? A gente já ia entrar no restaurante…”

Eu me desviava de seus olhos, ainda arfando um pouco. “Deixa pra lá.”

“Você me assusta desse jeito! Você me assustou agora. Toca aqui, no meu pescoço. Sente a minha pulsação…”

“Vamos logo, Cleo. Vamos entrar. Vamos almoçar.”

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