Office in a Small City por Edward Hopper

Teus olhos na escuridão. 53

Uma aventura perigosa na clandestinidade.
O mapa de um escândalo.
Um segredo potencialmente devastad
or.

Na manhã seguinte, um sábado, como combinado na noite anterior, chamei um aero e levei a Cleo até o Café Silene. Que lugar agradável durante o dia! Que aromas, que ar fresco e limpo, que claridade perfeita atravessando os vidros, distribuindo-se de maneira quase delicada por todos os espaços ali. A mesa a que eu costumava me sentar estava ocupada por três mulheres sorridentes. Ouvindo fragmentos do que trocavam entre si, mencionando um ou outro conhecido e algo de expedientes e cotidianos, pareciam ser colegas de trabalho. Fiquei com a Cleo na mesa ao lado, a mais próxima daquela situada no recorte limitado pela parede fina, onde a informante costumava fumar na escuridão. Uma garota magra, pálida e rápida de movimentos veio nos atender. (O Hermes não estava lá.)

“Nunca”, disse a Cleo, olhando ao redor, depois de eu ter lhe perguntado se conhecia aquele lugar, se já havia entrado ali.

Na mesa em que se instalava a excêntrica delatora, um rapaz usando blazer aberto, barba bem aparada, parecia concentrado em seu personal, enquanto sua xícara de café preto fumegava suavemente ao lado de suas mãos habilidosas. Devia estar trabalhando.

“Eu ainda estou chocada”, disse a Cleo com voz calma. “Demorei pra dormir ontem.”

“Queria que dormisse lá, comigo, você não quis.”

“Precisava ir embora. Dormir em minha cama. A sua é muito estreita, não gosto.”

Mordi meu pão de queijo enquanto ela agitava uma colherinha em seu cappuccino. Com mínimos movimentos de cabeça, eu ia lhe apontando o lugar em que eu ficava, onde a minha amiga anônima ficava e como transcorriam as coisas. Em algum momento, quase sem me dar conta, eu estava de pé, apontando a porta translúcida da entrada, girando o braço no ar. Alguns fregueses estranharam, e a Cleo me puxou pela camisa, rogando, entre dentes, que eu não me entusiasmasse daquele jeito.

“Logo imaginei que, se viesse aqui durante o dia, talvez pudesse encontrá-la. Assim, numa dessas mesas, uma frequentadora qualquer. Lendo um livro, por exemplo. Por isso, eu vim até aqui no dia seguinte ao primeiro encontro. Observei cada mulher que entrava, cada mulher que se sentava ao balcão ou ocupava alguma mesa. Mas isso não deu em nada. Nenhuma delas estava sozinha. Por acaso, nenhuma. Ou com amigos ou com um acompanhante. E não havia ninguém lendo livro nenhum.”

A Cleo quase riu de minhas investidas investigativas.

“Estava aqui pensando…”, ela começou, suavemente. “Você disse que chegou a ouvir a voz de algumas delas no WeWatch. E se ela mudou a voz quando estava falando com você?”

“Acho muito difícil. Não poderia mudar tanto. Tenho facilidade para observar nuanças: a maneira de pronunciar alguma palavra, a tonicidade decrescente no final de frases… Não valeria a pena, para ela, esse esforço. Conversamos muito, foram muitos encontros. Ela não se daria esse trabalho.”

A Cleo acreditava em mim, sem dúvida. Entrava na história toda. Sugeria hipóteses. Tentava juntar peças.

“Das onze que restaram, acabei eliminando aquelas cinco: eram casadas há um bom tempo. Relacionamentos estáveis. Talvez isso dificultasse um caso extraconjugal por um tempo indefinido, se pensarmos em viagens, por exemplo. Observei as que eu sabia divorciadas e as mulheres próximas aos quarenta anos. Também não funcionou. Até aí, não tinha certeza de nada.”

Eu me sentia quase feliz, sentado àquela mesa, com a Cleo junto de mim. Aliviado por ter-lhe contado tudo. Agora sim, ela era ainda mais cúmplice, minha companheira como nunca, como nenhuma outra, em tempo algum.

“Você se arriscou muito. E até hoje, não sabe quem ela é.”

“É inacreditável, você vê? Parece que estou inventando isso tudo. Até o nome do proprietário deste lugar soa como um artificialismo forçado.”

“Pois é. Acontece.”

Senti um gosto pelo dia. Ali, no Café Silene, em meio a vozes agitadas pela luz, como de pássaros ansiosos às primeiras horas da manhã, tilintar de metais e louças, ruídos de máquinas de espresso e liquidificadores, podíamos exercer plenamente nossa sintonia cada vez mais apurada, nossa intimidade sincera, agora envenenadas pela consciência das tramas sinistras que sustentavam sistematicamente o Mundo Livre.

A atendente ágil e esbelta voltou para nos assessorar.

“Sim, mais dois pães de queijo. Outro espresso pra mim.” Ratinhos e seus bocados de queijo. Mas eu aproveitava aquele momento para mostrar a mim mesmo que não era só um ratinho como os outros: eu estava prestes a roer alguma coisa mais densa, de um pilar invisível.

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