Office in a Small City por Edward Hopper

Categoria: Conto

  • Lisette Maris. Caminhar, como faço agora (6/15)

    Lisette Maris. Caminhar, como faço agora (6/15)

    Às vezes é preciso viver sem esperanças, sem esperanças mesmo, continuar. Caminhar, como faço agora. Crescer, fatalmente. Gosto de acordar muito cedo e flagrar as casas fechadas, dentro das quais as pessoas se encontram ainda na faixa nevoenta que separa do sono os calendários. A manhã mal instalada, focos frescos e sombras remanescentes, tudo se…


  • Lisette Maris. Enquanto temos carne, ossos… e sangue (5/15)

    Lisette Maris. Enquanto temos carne, ossos… e sangue (5/15)

    Os cabelos soltos escondem-lhe o rosto de perfil, cílios trazendo um último reflexo da íris. É mesmo o que vejo? Damares é especial, e isso me corrompe. “Compreendo que poucos podem ser livres dos Evangelhos, menos ainda poderiam considerar a vida com outra maturidade. Mas Karl Allen não ajuda muito, se é que me entende.…


  • Evolução dos ideais clandestinos

    Evolução dos ideais clandestinos

    Mas por que esse pânico, que isso? Milhares de pessoas são cadastradas naquela arapuca. Basta trabalhar pela justiça. Basta denunciá-los. Basta ter consciência. E quanto aos que estão sendo torturados e mortos? Não pensou nisso? Então, podemos continuar sendo covardes? (Hélio) … foi fuzilado há uma semana. Fuzilado? (Valéria) Quando enviamos as cartas (Caio), ele…


  • Eco, a cidade dos demônios

    Esses tais demônios vinham de uma estirpe que fora gerada entre velhos espelhos de um sótão, assimilando desde cedo travessuras desse tipo, brincando de refletir uns e outros em cacos irrecuperáveis. Como parte da rotina e invariavelmente, qualquer morador podia ver o senhor Antão Antônio de Deus pintando o muro de sua casa pela manhã,…


  • O beija-flor de Ruschi

    O beija-flor de Ruschi

    Não era meu o pecado, era dele, mas eu estava junto.Segunda-feira Desde que me dou por gente sou tratada que nem filha nessa casa. Porque nunca tive pai nem mãe e ninguém eles me criaram me deram roupa e comida e me ensinaram ler e escrever. Nunca me deram dinheiro mas nem nunca eu precisei.…


  • Lisette Maris. Objetos que se movem (4/15)

    Minha mãe, como os outros, impressiona-se muito com esses truques vagabundos que não nos ajudam em nada. Ela me abraça como há muito não faz, realizada e nervosa, contagiada pela euforia reinante, com o veneno do triunfo. Um casal de mesma estatura, ambos exageradamente polidos e atentos às normas da boa educação. Muitos anos de…


  • Lisette Maris. Persistência do inverno (3/15)

    A bruma que nos envolve é a mesma que nubla seu silêncio. Olhos muito claros, azuis e intensos, ela parece atrair luz. O inverno já dura treze anos. Ninguém sabe por que isso acontece, e também não se sabe quando vai acabar. Mas ninguém se espanta, ninguém nada pergunta. Nosso velho vizinho, em sua ronda…


  • Lisette Maris. Damares (2/15)

    Seria capaz de qualquer sacrifício para que essa manhã jamais terminasse. Damares olha-me de frente, e seus olhos atiram-me uma lâmina de luz. A gárgula de caninos dourados prenuncia as presas ruidosas que investem contra a grade do jardim. Uma criada inexpressiva aconselha que eu entre pelo portão lateral. Damares mora nesse sobrado razoavelmente luxuoso,…


  • Lisette Maris. A escuna ancorada (1/15)

    Lisette Maris. A escuna ancorada (1/15)

    Volto-me ao caminho, quero esquecer esse endereço por enquanto. Vou me encontrar com Damares. Tive sempre o gosto por estas histórias. Tanto e tão bem que finalmente perdi todo poder sobre mim mesmo.          – Fiódor M. Dostoiévski, Memórias do subsolo A casa onde moro é uma escuna, mas poucos compreendem. Uma fragata, já disseram.…


  • Diversos caminhos do asfalto

    Diversos caminhos do asfalto

    Jegue não pôde dormir nessa noite. Tentou passar ao cão, em sua linguagem simplória, toda a felicidade que sentia, sabendo que terminaria seus dias em paz, antes de partir para o novo mundo. Jegue vivia só para trabalhar. Condenado a conduzir uma velha carroça pelas ruas da cidade muito movimentada, escravizado por seu proprietário, homem…


  • Dos males, o verão. Parte 8

    Qualquer homem se apaixonaria por ela Epílogo A miséria e a desgraça sempre existiram. A miséria e a desgraça sempre existiram. A miséria e a desgraça sempre existiram. Com tais palavras, comecei meu dia, repetindo-as metodicamente enquanto caminhava, tentando esquecer os tipos que me cercavam como num pesadelo. Sempre existiram, desde que começamos a nos…


  • Dos males, o verão. Parte 7

    Estrela em meio ao caos IV Quinta foi talvez o dia mais quente de todos. Um inferno. A primeira coisa que fiz, pela manhã, foi rasgar o papel com o verso sobre a morte ser um poço, desistindo de meu grande poema. Eu o havia esquecido ali em cima, completamente, nem pensava mais no assunto.…


  • Dos males, o verão. Parte 6

    Dos males, o verão. Parte 6

    Encontro no bordel: novas esperanças O resto do dia, custou-me passar. Ao fim do expediente, perambulei um pouco pelas ruas até o cair da noite. Sentia-me fraco, com vertigens. Fui até um bar enfumaçado, no quarteirão de casas velhas, que serviam como prostíbulos, e meu coração encheu-se de esperanças. Entra-se por uma porta estreita de…


  • Dos males, o verão. Parte 5

    Dos males, o verão. Parte 5

    Divagações com bolhas CAPÍTULO TERCEIRO (NO QUAL SE TRATA DESDE DIVAGAÇÕES COM BOLHAS A UMA DISCUSSÃO PARALELA DE ORDEM FILOSÓFICO-RELIGIOSA NUM BORDEL METROPOLITANO POUCO MOVIMENTADO) Pela manhã, jurei que não prestaria atenção aos ambulantes e desempregados que se multiplicavam pelas esquinas. Mas foi inevitável que ouvisse a voz arrastada de um sujeito moreno, sorriso matreiro…


  • Dos males, o verão. Parte 4

    Dos males, o verão. Parte 4

    Pior é não ser o fim Além dos camelôs licenciados, há também verdadeiras legiões de ambulantes, em cada ponto do centro. São jovens e velhos, desempregados ou aposentados, homens e mulheres de meia-idade, lutando como podem para sobreviver sob o sol desta terra, contra o verão infeliz de nossas cidades. Ficam de pé, abordando os…


  • Dos males, o verão. Parte 3

    Dos males, o verão. Parte 3

    A ameaça sombria de destinos possíveis Quando acordei, vi dois envelopes meio enfiados por baixo da porta, o que misteriosamente renovou-me uma centelha de esperança. Rasguei rapidamente o primeiro: Este é o momento ideal para você adquirir o nosso cartão de crédito… Depois, o segundo: Chegou a oportunidade que você tanto esperava para finalmente fazer…


  • Dos males, o verão. Parte 2

    Dos males, o verão. Parte 2

    O verso extraordinário Os santos não eram santos. Mas sendo essa a imagem que guardamos deles, ou melhor, que nos guardaram cabeça adentro, o importante é que nos inspirem. Há ainda homens que não são canalhas. Esses talvez pertençam àquela seleta galeria de sábios, meia dúzia deles, por assim dizer, que a cada geração sustentam…


  • Dos males, o verão. Parte 1

    Dos males, o verão. Parte 1

    Cordeiro, a salvação O que de mais belo conheci na Terra, Nathanael, é minha fome.  – André Gide, Os frutos da terra 1 Meu dinheiro acabou ontem. A cinco dias do salário. E o escritório não concede vales a quem quer que seja. Convenci a dona da pensão a também esperar mais uns dias, já…


  • O aniversário dos macacos

    O aniversário dos macacos

    Ele, uma criatura solitária, taciturna, alguém que diariamente assistia à dissolução da luz que parecia duradoura, à gradual escuridão da noite de todos os dias. Como seus parentes humanos, não sabia ao certo o que o incomodava quando envolvido com um desses momentos.Vinte e cinco anos, disseram. Uma aglomeração de visitantes festivos, que fizeram questão…


  • Raimundo Terra planeja seu suicídio

    Raimundo Terra planeja seu suicídio

    Atores, atrizes? Não passam de produtos, quem não sabe disso? Usados, como todos. Parecem deuses, mas têm intestinos.Selada a última carta, desce às ruas. O apartamento, trancado pela última vez. Última, suspira. Tem o absurdo cuidado de levar o guarda-chuva, que uma garoa alternada com chuvisqueiros insiste sobre a cidade por esses dias. Próximo aos…


  • O Morro dos Lobos

    O Morro dos Lobos

    Na vila, todo mundo o conhece: o Quim da fazenda. Quim Bento, o bobão.Ninguém ficava imune ao sorriso em viés, aos desastrados acenos de braços curtos. Outro sobrevivente do massacre dos pioneiros. Do tempo em que eu, tolamente, acreditava poder ser um novo Guimarães Rosa. Mas não pode haver outro Guimarães Rosa. Nem outro Machado…


  • Peter Pan na toalha

    Peter Pan na toalha

    O preço que se paga por ser homem é a solidão.De outra forma esse homem transforma-se em cidadão, funcionário, pai e esposo, ou qualquer outra espécie de artigo devidamente catalogado. Um antigo conto que sobreviveu ao massacre dos pioneiros. Dos 20 aos 25 anos, escrevi uma quantidade de contos, movido por aquele impulso cego do…


  • Nós, os fortes, te agradecemos

    Nós, os fortes, te agradecemos

    Uma maneira secreta de aceitar e negar a nitidez do mundo, seus perigos, seu silêncio. Os ruídos que o revelam antes da música. Olhando entre a noite e as grades do Orquidário e seu bosque, outra vez o que me invade ronda a alameda em perspectiva: postes de duas lâmpadas, sob globos sem rosto, bases…


  • (O sol na primavera desperta odores pestilentos…)*

    (O sol na primavera desperta odores pestilentos…)*

    Sinto a necessidade do registro, contra a crença geral de que todos os idiomas serão extintos. Talvez eu guarde, entre meus sonhos, uma resposta proibida. * Título convencionado para identificar o manuscrito que segue, reproduzido, tanto quanto possível, sem lacunas e integralmente. O sol na primavera desperta odores pestilentos, mefíticos, sei. Gases e oxidações de…


  • As duas vidas de Edmundo Campos

    As duas vidas de Edmundo Campos

    Fatias de mundo, história fragmentada (um dia apenas) em tantas cidades e países. Cristaliza-se o passado. Passado da humanidade, registro dos grandes eventos. A memória de cada pessoa. A literatura tem páginas de anjo, ratos sonhando, monstros melancólicos, outros nem tanto. – Very literary dreams, cap. II, p.11 (2a. edição, Vinci, 1766) Vera não o…


  • Os retratos de Marta Rosana

    Os retratos de Marta Rosana

    A sociedade, penso eu (mas não lhe digo), é basicamente formada pelos que se salvaram, inclusive da miséria. Os outros (que outros?) não provarão da aventura humana. Vamos entrar vamos entrar, diz o velho com certa impaciência. A onda aromática invade-me as narinas. Móveis antigos, o mofo das cortinas e o próprio velho causam-me certa…


  • O telefone pela manhã

    O telefone pela manhã

    Não, eu não lhe digo isso. Ele é que parece dizer-me. A racionalidade que faz de mim um homem prático parece não ter cura, leio em seus olhos. 1 Que iríamos passear, era sábado. O centro, uma quinquilharia qualquer. No centro, como você gosta. Você entende? Ele não responde. Desde que papai foi sepultado, três…


  • Relógios

    Relógios

    Sobre a mesa tosca, os mecanismos desmontados aguardavam a vez de viver novamente.Numa estante de vidro, uns relógios recuperados sorriam horas exatas. Este foi meu primeiro conto publicado em livro, aos 21 anos, por meio de um concurso literário. Dá para sentir o amadorismo, a ingenuidade, a linguagem convencional, pretendendo ser a melhor possível. Na…


  • A cidade de um país

    A cidade de um país

    Adentro a sala, tenho à frente a mesa dos conspiradores, entre eles seu poderoso líder. Acabo de ver seu rosto, e agora tenho de morrer. Caí na cilada e estou sozinho. Corro para o fundo, vejo que alguns deles saem pela mesma porta, sem a minha pressa. Eu, que sempre me envolvi em todas as…


  • A prometida história de fantasma

    A prometida história de fantasma

    Comentou que naqueles tempos as mulheres eram de verdade, sem truques nem retoques da tecnologia. Mas eu lhe disse que era ingenuidade dele, que os retoques existiam desde a invenção da fotografia. Só tinha ficado mais fácil. “Hoje à noite, então. Vou esperar.” Cerveja no meu apartamento, coisa à toa, mas o Paulo Marcos nos…


  • Óculos

    Óculos

    Meu irmão mais velho editou outro volume de contos. Ele tem a vista perfeita, imune a quaisquer desvios, todo ele é contrário a mim, sendo eu o único míope entre os irmãos, pretendendo ansiosamente escrever contos como ele, escondendo do mundo meus rascunhos secretos, envergonhado de minha vasta miopia, esmagado por minha impotência, enquanto tento…


  • Guia de mistérios urbanos

    Guia de mistérios urbanos

    Que fenômenos são esses? E por que se ocultam em meio ao caos das grandes cidades? Talvez, como nas bibliotecas, a milhares de páginas significativas faltem ainda a faísca de uma necessidade ou de uma teimosia que as desperte. “[…] o universo é comparável a essas criptografias nas quais não valem todos os símbolos e…


  • Últimas noites do burocrata obstinado

    Últimas noites do burocrata obstinado

    Novamente o sonho dos papeizinhos, e mal os sentia entre os dedos, escapando-lhe antes que pudesse recuperá-los e torná-los classificados aos seus devidos lugares, e essa agonia durou menos do que a outra. A noite seguinte trouxe-lhe pesados fichários que carregava com as duas mãos, porém algo inusitado e assombroso contrariava-lhe o ânimo e o…


  • Andante de um concerto barroco

    Andante de um concerto barroco

    A vida não é só para ser vivida, há algo mais que não compreendemos. Mas nada tão sério que não se possa atingir pela música. Como quando nos encontramos daquela vez, em casa de Ruth, sendo a noite a mesma, até a frequência da chuva parece reavivar minha memória daquela noite-hoje. Sim, mas vamos para…


  • Um par de amigos, um caso ímpar

    Um par de amigos, um caso ímpar

    Que isso? Que isso que a Nasa está explorando Marte, a Europa está quebrando a cara, o Supremo julgando a bandidagem da política, e você… você… “Não entendo, velho.” Meu amigo, o Paulo Marcos, havia comprado um par de sapatos que depois demonstraram não lhe ter servido adequadamente, ao contrário do que lhe pareceu ao…


  • Depois de toda glória, é preciso voltar

    … que acontecem Meu primeiro prêmio literário. 21 anos. (Não é essa foto aí, não.) Uma lembrançazinha que… Pensando bem, nada mais do que isso, quando muito. Mexendo em meus livros (meus mesmo, com textos meus), reencontrei o modesto Dez contos sobre o trabalho, livro fininho, com apenas dez contos – como, a partir do…


  • Sonho 3378. Objetos quase vivos

    Sonho 3378. Objetos quase vivos

    Todos esses objetos, funcionais ou apenas decorativos, integram a coleção dispersa da casa de nossa mãe, onde vivemos fases importantes de nossas vidas, na maior parte tristes. Uma estante estreita, na prática uma só prateleira emoldurada por duas tábuas menores e uma superior, serve de guarda a uns objetos muito familiares. Eu os reconheço imediatamente,…


  • A onda dentro de um vidro

    A onda dentro de um vidro

    Todas essas imagens e fatos mal explicados criavam uma atmosfera incômoda de mistério e impotência diante de alguma resposta inacessível. Creio que aí teria começado em mim uma necessidade muito intensa de conhecer a verdade. O mar às vezes é cinzento. Claro que sim. Você não sabia? Sei do que estou falando. Nossa cidade fica…


  • Sonho 3340. Umas ruas, uma cidade cor de areia

    Sonho 3340. Umas ruas, uma cidade cor de areia

    A rua tem um degrau. A partir desse degrau, torna-se outra rua, em outra cidade. Sinto que estou mais próximo do conhecido portão de casa, a casa onde vivi parte de minha conturbada infância. Meu pai, falecido há quatro anos, vai ao volante. Minha mãe, no assento ao lado. Eu, no assento de trás, mais…


  • Inconsistência dos retratos

    Inconsistência dos retratos

    Lamentando, de certa forma. Ou sorrindo em silêncio, alguma ternura ou Sempre vivenciamos muito mal nossos verdadeiros tesouros, daí por que um dia acabamos por perdê-los. Janela do vagão, vento em meu rosto, fios de meus cabelos grisalhos, eu procurando concentrar-me no que lia, mas a cada cinco minutos voltava o livro ao colo e…


  • Não são estas as minhas certidões

    Não são estas as minhas certidões

    Porque às vezes tenho pena de minha inocência. Tenho pena de meus sonhos. Deixava meu nome inteiro. Meu nome completo, com esmerada caligrafia. “Tem certeza?” “Como, se tenho certeza? Claro. Sem dúvida.” “Não são? Tem certeza mesmo?” “Claro. Claro que não. Quero dizer, não são. Não são as minhas. Sei muito bem quem eu sou.…


  • A sereia suicida

    A sereia suicida

    Andersen já começa a punir sua personagem com um recado claro e sinistro de que não há margem para o fracasso. De que o preço é alto quando se trata de desobediência. “Por que se diz afogar, como em: ‘Houdini morreu afogado’? Afogado não é quando se morre queimado? Com fogo? Afogar não é com…


  • Sonho 1741. Momento na galeria

    Sonho 1741. Momento na galeria

    Ela não reage. Seu rosto parece sem cor. Talvez esteja morta. Talvez seja apenas uma impressão, devida ao excesso de luz ambiente. Sentada ao meu colo, sobre minhas pernas, de frente a mim, ela me beija fortemente, ao que correspondo com igual vontade, deliciado com esse privilégio. Estamos sobre uma mureta larga, de superfície lisa,…


  • Constanza

    Constanza

    Depois, as agruras da vida, em forma de uma bruxa má, passam a alimentá-los dia após dia, mas de outra maneira: fazendo-os inchar e engordar, com a intenção declarada de devorá-los em breve. Eles estão presos. Estão casados. Constanza é a minha amiga imaginária. Mas é claro que ela existe. Não, não é nenhum fantasma…


  • O dia e a noite sobre as estações

    O dia e a noite sobre as estações

    Vi meus próprios olhos olhando-se a si próprios, por dentro e de frente. E impressionei-me com um homem baixo e franzino que fechava a última porta da história, dizendo: “Acabou.”. Para iludir minha desgraça, estudo. Intimamente, sei que não me iludo. – Augusto dos Anjos, Poema negro 1 Três horas. Está certo. Está sempre certo.…


  • Sonho 1128. A pedra de atrito

    Sonho 1128. A pedra de atrito

    Então ele se deita no chão, com o rosto entre os braços, e irrompe a chorar convulsivamente, como uma criança. Eu me aproximo, querendo saber o que aconteceu. Meu amigo e eu caminhando por um bosque claro e tranquilo, árvores bem espaçadas, chão de folhas pardas, amarelas e cor de ferrugem, formando camadas de piso…


  • Sonho 1512. A clínica e o funeral

    Sonho 1512. A clínica e o funeral

    Receio que, talvez, magicamente, aqueles cobertores o façam desaparecer. Ou o transportem a um subterrâneo simetricamente oposto às moradas dos deuses, geralmente no alto das montanhas enevoadas. Próximo aos dois degraus da entrada, no jardinzinho malcuidado de uma casa modesta e antiga, alugada para servir de clínica psiquiátrica ou de repouso, algo desse gênero, eu…


  • Queremos o fim do Quixote

    Queremos o fim do Quixote

    Sempre me impressionou muito que as pessoas andassem com calma – mesmo entre conhecidos e em suas próprias cidades. Também muitas vezes acreditei que a maneira de andar, assim como alguns gestos viciados ou cacoetes, fosse a sugestão de que a natureza orgânica começasse por eles a apresentação dos sinais de alguma desarmonia mais profunda.…


  • Passe para pequenas viagens

    Passe para pequenas viagens

    Eu me detinha finalmente, após a tarde de minha estranha primavera. Eu me detinha após milhares de anos de civilização e genes repetidos para que sempre umas pessoas e outras habitassem as cidades e coisas parecidas com cidades. Eu me detinha na esquina de todas as cidades. Outro como eu em Buenos Aires, em Frankfurt,…


  • Registro de ciclos e movimentos

    Registro de ciclos e movimentos

    A Terra gira e recicla seus ossos. Há escombros impalpáveis, fendas na memória. Tantas vezes restaurada e ainda assim, na junção das hastes, o oliva-ferrugem, óxido de azuis na roleta que hoje conta os mortos. Junto ao orquidário, junto ao chafariz e ao banco de pedra, aqui onde me sentia seguro sem considerar o verdadeiro…